quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016



PORTE ILEGAL DE ARMA  DE FOGO X LEGÍTIMA DEFESA

 A QUESTÃO É: QUEM MATA ALGUÉM COM ARMA DE FOGO ILEGAL , EM EVIDENTE SITUAÇÃO DE LEGÍTIMA DEFESA, RESPONDE PELO CRIME DE PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO? 


Na Lei 10826/03 ( Estatuto do desarmamento)

Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido
        Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
        Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

 No Código Penal:

 Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:
        I – (...)
        II - em legítima defesa
Legítima defesa
        Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem

Quem mata alguém ilicitamente com emprego de arma de fogo ilegal, deve responder por dois delitos ( homicídio + porte ilegal de arma) ou somente pelo crime de homicídio?
Doutrina e jurisprudência  concordam que existe um só crime: o mais grave. Aplica-se aqui o princípio da consunção, onde o crime-meio ( porte ilegal de arma) fica absorvido pelo crime-fim. É que para que o crime maior pudesse ser  consumado ( homicídio) , imprescindível a passagem forçada pelo crime-meio( porte ilegal de arma) .
Seguindo tal raciocínio, agora indaga-se: quem mata alguém LICITAMENTE com arma de fogo ILEGAL, responde por algum crime?
Este caso também já foi enfrentado tanto pela doutrina (ex: Guilherme Nucci) quanto pela jurisprudência (ex: STF, HC 111488). Ora, se uma pessoa mata outra de forma LÍCITA  é porque agiu amparado sob alguma das excludentes de ilicitude apostas no art 23 do Código Penal, dentre elas, por exemplo, a legítima defesa.  Então, não há crime de homicídio. Mas,  será que subsiste o crime de porte ilegal de arma de fogo? ( aplica-se o princípio da subsidiariedade?)  Afinal, este é um crime de perigo abstrato, ou seja, quem sai de casa com uma arma na cintura sem autorização legal, já pratica  crime. Mas e se essa arma foi empregada justamente para a legítima defesa própria ou de outrem? Na visão da doutrina e jurisprudência, não subsiste o crime, uma vez que este era o meio necessário para repelir uma injusta agressão, além de que, se o crime maior está fulminado pela legítima defesa, não pode subsistir o menor, pois foi o meio encontrado para alcançar o fim.
Portanto, a arma será apreendida, mas não subsiste qualquer crime ao caso postulado.

CONFIRA NA DOUTRINA:

legítima defesa e estado de ne­cessidade: a ocorrência da utilização de arma de fogo em legítima defesa ou estado de necessidade, ainda que configure qualquer tipo penal da Lei 10.826/2003, afasta a possibilidade depuração do agente:- Afinal, a situação maior — de licitude— para a pro­teção da integridade física própria ou de
terceiro, envolve e absorve o delito de pe­rigo, relativo à posse ou porte de arma de fogo, acessório ou munição irregular;
Guilherme de Souza Nucci - Leis Penais e Processuais Penais Comentadas - 5º Edição - Ano 2010

CONFIRA NA JURISPRUDÊNCIA:

Segunda-feira, 27 de abril de 2015
Ministro aplica princípio da consunção e anula condenação imposta a lavrador mineiro
O ministro Luiz Fux concedeu, de ofício, ordem no Habeas Corpus (HC) 111488 para anular a condenação por porte ilegal de arma de fogo imposta ao lavrador F.M.S pela Justiça mineira. No dia 8 de fevereiro de 2007, na zona rural de Caputira (MG), F.M.S. conseguiu evitar o estupro de sua sobrinha de 13 anos ao disparar três vezes contra o agressor. Não foi denunciado por tentativa de homicídio nem por disparo de arma de fogo, em razão da evidente situação de legítima defesa de terceiro, mas o Ministério Público estadual o denunciou por porte ilegal de arma de fogo de uso permitido. O lavrador foi condenado a um ano e seis meses de reclusão em regime aberto, tendo a pena sido convertida em pena restritiva de direitos.
No STF, a Defensoria Pública da União pediu a aplicação ao caso do princípio da consunção para afastar a condenação. A consunção ocorre quando um crime é meio para a prática de outro delito. Com isso, ele é absorvido pelo crime-fim, fazendo com que o agente responda apenas por esta última infração penal. Ao conceder o habeas corpus de ofício, o ministro Fux acolheu parecer do Ministério Público Federal (MPF) no sentido de que não há dúvidas de que os delitos de porte ilegal e disparo de arma de fogo se deram em um mesmo contexto fático, motivo pelo qual se faz necessário reconhecer a absorção de uma conduta pela outra.
“De fato, está configurada a consunção quando a conduta imputada ao paciente (porte ilegal de arma de fogo) constitui elemento necessário ao crime fim (disparo de arma de fogo), quando praticados no mesmo contexto fático. Destarte, tendo sido afastado o crime de disparo de arma de fogo, por faltar ilicitude à conduta, uma vez que praticada em legítima defesa de terceiro, não subsiste o crime de porte ilegal de arma de fogo no mesmo contexto fático, sob pena de condenação por uma conduta típica, mas não ilícita”, afirmou o ministro Fux em sua decisão. Segundo o relator, o habeas corpus não pode ser conhecido por ser substitutivo de recurso ordinário, entretanto o ministro concedeu a ordem de ofício.

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