terça-feira, 28 de junho de 2016

SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A REVISTA ÍNTIMA



SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A  REVISTA ÍNTIMA
A revista íntima é permitida em pessoas que pretendem visitar parentes presos?
Se a revista íntima for proibida, incide em crime o agente estatal que procede à tal revista?
E se durante a revista pessoal, é encontrado com o revistado(a) aparelho celular destinado a ingresso no presídio, sem autorização legal, existe crime? 
Os Estados da federação podem legislar sobre o tema, inclusive criminalizando a conduta do agente carcerário que realiza a revista íntima?
Para responder a estas questões, você precisará:
1) da CF/88
2) da lei 10792/03
3) da lei 13271/16
4) da Resolução nº05/14, do CNPCP
5) do Código Penal
Vamos aos tópicos:
1) a CF/88, em seu art 1º, III traz como fundamento da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana. No art 5º, inciso X , traz a inviolabilidade da intimidade da pessoas, inclusive permitindo a busca de indenização pelo dano moral decorrente de sua violação.
2) A Lei nº 10792/03, em seu art 3º, assevera que “ Os estabelecimentos penitenciários disporão de aparelho detector de metais, aos quais devem se submeter todos que queiram ter acesso ao referido estabelecimento, ainda que exerçam qualquer cargo ou função pública”.
3) a Lei nº 13271/16, proíbe qualquer forma de revista íntima em mulheres. Aqui uma observação: tal lei trata somente de “funcionárias” e “clientes do sexo feminino” de empresas privadas e órgãos da administração direta ou indireta, portanto, sem aplicação ao sistema prisional, uma vez que as visitantes de presos em unidade prisional não são clientes e nem funcionárias. A pena para o empregador é de R$ 20.000,00  revertidos aos órgãos de proteção à mulher. Ou seja, a vítima do abuso deve buscar a Justiça através de ação de indenização por danos morais.
Imaginemos uma “cliente” que entra numa loja de bijuterias e subtrai uma joia, escondendo-a nas partes íntimas. Na saída da loja, o sistema de alarme é disparado. E aí? Como deve proceder  o lojista? Está proibida a revista íntima, logo, deve-se conduzir a referida pessoa ao provador e solicitar à mesma que retire das partes íntimas o produto subtraído e faça a devolução, sem, porém, submetê-la à revista íntima. (difícil, não?) (obs: aqui, existe o crime de furto tentado, pois o objeto ainda não saiu da esfera de vigilância da vítima. O STJ, STF, além de farta doutrina, já se manifestaram no sentido de que, mesmo havendo sistema de vigilância eletrônica na loja, não é hipótese de crime impossível)
E se, em vez de uma “cliente”, estivéssemos diante de uma pessoa do sexo masculino?  Observe que a lei 13271/16 só protegeu a intimidade das mulheres, não dos homens. Afinal, homem (cliente de uma loja ou funcionário de uma fábrica) , não tem assegurado pela CF/88, a inviolabilidade de sua intimidade? Resposta: SIM. Este poderá ingressar com ação indenizatória, no entanto, ao lojista ou dono de uma fábrica, não será imposta a referida multa de R$ 20.000,00, porque a lei só tratou da revista íntima em mulheres.
Veja art 1º da referida lei: “As empresas privadas, os órgãos e entidades da administração pública, direta e indireta, ficam proibidos de adotar qualquer prática de revista íntima de suas funcionárias e de clientes do sexo feminino”.
Imaginemos uma fábrica com 500 funcionários, sendo 250 homens e 250 mulheres. Pela letra da lei, é proibido revista íntima nas funcionárias, sob  pena de multa de R$20.000,00, além da funcionária que se sentir ofendida poder buscar indenização na Justiça por danos morais. E quanto aos funcionários do sexo masculino? Também podem buscar indenização, mas a fábrica não pagará a multa de R$ 20.000,00 previstas em lei.
o artigo 3º desta lei, que se referia ao sistema prisional, foi VETADO pela Presidente da República, pois nada dispunha sobre a revista íntima. Veja a redação: “Nos casos previstos em lei, para revistas em ambientes prisionais e sob  investigação policial, a revista será unicamente realizada por funcionários servidores femininos”.
Assim, o Congresso Nacional perdeu uma ótima oportunidade de legislar sobre o tema na esfera do sistema prisional.
4) por fim, e de suma importância, tem-se a resolução nº 05 de 28/08/14, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, que traz , em seus arts 1º, parágrafo único e 2º, as seguintes disposições:
Art 1º(...)
parágrafo único. A revista pessoal deverá  ocorrer mediante  uso  de equipamentos eletrônicos   detectores   de   metais,   aparelhos   de   raios-x,   scanner   corporal,   dentre outras   tecnologias   e   equipamentos   de   segurança   capazes   de   identificar   armas, explosivos,   drogas   ou   outros   objetos   ilícitos,   ou,  excepcionalmente,   de   forma manual.
Art. 2º.   São vedadas quaisquer  formas  de   revista   vexatória,   desumana   ou  degradante.
Parágrafo  único.   Consideram-se, dentre  outras,   formas   de   revista   vexatória, desumana ou degradante:
I – desnudamento parcial ou total;
II – qualquer conduta que implique a introdução de objetos nas cavidades corporais  da pessoa revistada;
III – uso de cães ou animais farejadores, ainda que  treinados para esse fim;
IV – agachamento ou saltos.
Art.  4º.  A  revista  pessoal   em   crianças   e   adolescentes   deve   ser   precedida   de autorização   expressa   de   seu   representante   legal   e   somente   será   realizada   na presença deste.
Cumpre lembrar que tais dispositivos trazidos pela presente resolução são apenas recomendações, servem de orientação. Não é  lei emanada do Congresso Nacional.
Assim, conclui-se que revistas íntimas em presídios são proibidas. A revista pessoal, especialmente em mulheres, inclusive de forma manual, é possível. No entanto, tais condutas não devem ser confundidas com a revista íntima, vexatória, humilhante. Se houver suspeitas de que uma visitante traz drogas ou aparelho celular, por exemplo, em suas partes íntimas, o recurso tecnológico deve ser capaz de detectar os objetos ilicitamente conduzidos. Mas a inserção de dedos, objetos ou manipulação em partes íntimas das pessoas, determinar agachamento, saltos, desnudamento, como visto até aqui, não serão admitidos.
Se a revista íntima for proibida, incide em crime o agente estatal que procede à tal revista?
Como visto até aqui, não há LEI específica incriminando tal conduta. Não custa lembrar que tanto a CF/88, quanto o Código Penal, asseveram que não há crime sem uma LEI anterior que o defina.
Veja que a resolução nº 05, como dito, tem força de recomendação, logo, tal resolução não pode incriminar condutas. Quando muito, o agente, ao violar essa resolução, poderia responder na esfera administrativa.
No entanto, se entendermos que o agente estatal, ao proceder à revista íntima, estaria atentando contra a incolumidade física do revistado (a), seria possível que tal conduta fosse tipificada como crime de abuso de autoridade previsto no art 3º da lei nº 4898/65.   
E se durante a revista pessoal, é encontrado com o revistado (a) aparelho celular destinado a ingresso no presídio, sem autorização legal, existe crime? 
Aqui, a resposta é afirmativa. Todo aquele que conduz aparelho celular ou similar para dentro do presídio sem autorização legal incide em crime previsto no artigo 349-A do Código Penal, ainda que seja um familiar do detento. O processo e julgamento dar-se-á no Juizado Especial Criminal, haja vista ser considerado delito de menor potencial ofensivo.
Art. 349-A.  Ingressar, promover, intermediar, auxiliar ou facilitar a entrada de aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar, sem autorização legal, em estabelecimento prisional. (Incluído pela Lei nº 12.012, de 2009).
 Pena: detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.
Aqui, o legislador foi econômico nas palavras, dizendo menos do que deveria, pois sabe-se que diversos outros objetos são conduzidos para o interior de presídios no intuito de facilitação de fuga de presos ou mesmo para seu mero deleite. Ex: faca, punhal, canivete, serra, drogas, álcool, cartão pré-pago, etc.
Infelizmente, por ser norma penal, não se pode fazer uso da analogia (in mala partem),  sob  pena de infração ao princípio da legalidade. Também não é possível interpretação extensiva porque não se parte de uma premissa lógica onde o legislador diz menos que deveria, exemplifico: bigamia é crime? Sim. Ocorre quando pessoa casada contrai novo casamento. Indago: E se a pessoa contrai novos casamentos, também é crime? Lógico! (eis aqui um caso de interpretação extensiva, pois, embora o legislador tenha utilizado a expressão “novo”, não fere o princípio da legalidade o emprego da expressão “novos”, pois o intérprete pode alargar o alcance da norma sem implosão do tipo legal ). Logo, voltando ao nosso caso, deve-se verificar o tipo de infração praticada, quando alguém leva objetos para dentro do presídio. Ex: quem conduz drogas para o interior do presídio responderá por crime de tráfico de drogas, previsto na lei 11343/06 e assim por diante.
Os Estados da federação podem legislar sobre o tema, inclusive criminalizando a conduta do agente carcerário que realiza a revista íntima?
Os Estados da federação podem sim legislar sobre a matéria, tanto que o fizeram. O art 24, I da CF/88 permite que os Estados legislem sobre direito penitenciário.  Cite-se como exemplo, a lei nº 15552 do Estado de São Paulo, que dispõe sobre a proibição de revista íntima nos presídios, além de outros Estados que trataram da matéria via lei ordinária estadual. No entanto, não lhes é possível criminalizar a conduta do agente que realiza a revista íntima porque, segundo a CF/88,art 22, I compete privativamente à União, legislar sobre Direito Penal, salvo se uma Lei Complementar do Congresso Nacional, autorizasse o Estado a legislar sobre essa questão específica, consoante o parágrafo único do mesmo artigo, o que não foi o caso.