domingo, 3 de junho de 2018

CONCURSO DE CRIMES, DE AGENTES E DE QUALIFICADORAS



Recentemente, a Lei nº 13.654/18, acrescentou dispositivos no Código Penal, incriminando com maior rigor, o furto (e o roubo) de substância explosiva, bem como punição mais severa pela prática de tais delitos patrimoniais ,  valendo-se o(s)  agente (s) de explosivos ou  artefatos análogos.
Como o dispositivo legal trouxe o explosivo ora como meio empregado para a prática do crime, ora como objeto, é de se notar que é possível que um mesmo agente (ou grupo), pratique os dois delitos, ainda que dentro de um mesmo contexto: furto de explosivo e furto mediante o uso do explosivo furtado.
Analisemos este contexto..
O furto , delito patrimonial previsto no art 155 do Código Penal, tem:
1 majorante- quando praticado durante o repouso noturno.
4 qualificadoras, cuja pena pode variar entre 2 e 8 anos.
2 qualificadoras, cuja pena pode variar entre 4 e 10 anos.  É o caso de quem emprega explosivo ou artefato análogo que cause perigo comum OU de quem subtrai  substâncias explosivas ou  acessório que permita fabricação do explosivo.
1 qualificadora, cuja pena pode variar entre 3 e 8 anos, para o caso de subtração de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior.    
1 qualificadora, cuja pena pode variar entre 2 a 5 anos, se a subtração for de semovente domesticável de produção.
Assim, percebe-se que o crime de furto tem 8 (oito) qualificadoras.
A questão que pode suscitar dúvidas é quanto ao concurso de mais de uma qualificadora, que apresentem penas  base diferentes. Um exemplo:
É possível que 3 pessoas, na calada da noite, mediante arrombamento de um portão e escalada de um muro alto, ingressem numa fábrica de explosivos e dali subtraiam grande quantidade de explosivos. Na madrugada seguinte, o mesmo grupo, agora valendo-se dos explosivos furtados, o empreguem em dois caixas eletrônicos, localizados no interior de uma agência bancária, conseguindo êxito na explosão dos equipamentos e subtração de elevada quantia em dinheiro. Indaga-se, como tipificar tais condutas, haja vista que as qualificadoras apresentadas tem penas diferentes e ainda que apresentem penas base idênticas, como poderíamos proceder?
No caso dado, temos:
Na 1ª madrugada:
Furto qualificado: (com pena entre 2 e 8 anos) – art 155, § 4º
a)     Pelo concurso de agentes (3 pessoas)
b)    Pela escalada (saltaram um alto muro)
c)     Pelo rompimento de obstáculo (arrombaram o portão)
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Furto qualificado (com pena entre 4 e 10 anos), pela subtração dos explosivos- art 155, §7º
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Majorante do repouso noturno- art 155, §1º
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O exemplo dado ainda traz mais um fator complicador, pois o art. 16, inciso III, da Lei 10.826/03 tipifica a posse, a detenção, a fabricação e o emprego de artefato explosivo ou incendiário sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, cuja pena é de reclusão de 3 a 6 anos e multa, o que nos faz indagar a respeito da caracterização do concurso de delitos ou aplicação do princípio da consunção. (obs: aqui, temos, segundo a doutrina majoritária, um crime hediondo, pois, com o advento da Lei  nº 13.497/17, não só a posse de arma de fogo de uso restrito , como  todos os demais incisos previstos no art 16, se tornaram crimes hediondos).  A mesma doutrina assevera que não é possível que um crime hediondo- porte de explosivo- seja absorvido por um   outro crime que não seja hediondo - furto qualificado de substância explosiva-. Ademais, são condutas diversas, com sujeitos passivos diversos, tornando assim, inevitável, o concurso  material de crimes.

Na 2ª madrugada:
Furto qualificado: ( 2 a 8 anos) – art 155, §4º
a)     Pelo concurso de agentes (3 pessoas)
b)    Pelo rompimento de obstáculo (pois arrombaram os caixas eletrônicos)
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Furto qualificado (com pena entre 4 e 10 anos),por terem feito uso do explosivo na agência bancária. (tinham a opção de arrombarem os caixas por outros meios , mas valeram-se de explosivos). – art 155, § 4º-A.
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Majorante do repouso noturno- art 155, §1º

Resolução
Na 1ª madrugada:
Aqui, como existem 2 blocos de qualificadoras ( 2 a 8 anos) e ( 4 a 10anos), o juiz pode se valer da qualificadora mais grave, desprezando a outra. ( 2 a 8 anos) + ( 4 a 10 anos)
Faço aqui uma interpretação extensiva (e benéfica ao réu), valendo-me do art 68 do CP que trata do concurso de majorantes, mas que é possível aplicar no caso de concurso de qualificadoras.
Art 68, Parágrafo único - No concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua.
Portanto, o juiz  utiliza a pena entre 4 e 10 anos, como marco inicial de dosimetria de pena. No entanto, ao analisar as circunstâncias do crime, levará em conta os 3 fatores que integravam a 1ª qualificadora ( concurso de pessoas, escalada e rompimento de obstáculo), (afinal, isso não pode ser desprezado), podendo assim, utilizar tais elementos para aumentar a quantidade de pena entre 4 e 10 anos. O valor do aumento fica a critério de cada juiz.
Ex: pode ser que o juiz inicie a dosimetria da pena, valendo-se de 4 anos, ante o furto do explosivo, e depois, adicione mais 2 anos, pelo concurso de agentes, mais 2 anos, pelo rompimento de obstáculo e mais 2 anos, pela escalada, totalizando 10 anos. Ao final, ele acrescenta 1/3 em cima deste número alcançado, em face do repouso noturno (majorante) . Ou seja, 10anos x 1/3= 3 anos e 4 meses; adicione-se  + 3 anos (pena mínima) para o delito de porte de explosivos (lei 10826/03) (se liga na matemática!) – total da brincadeira, só na 1ª madrugada= 16 anos e 4 meses (sem contar eventuais agravantes).  
Na 2ª madrugada, usamos o mesmo raciocínio, no entanto, entendo que ao fazerem uso do explosivo, não resta absorvida a qualificadora do rompimento de obstáculo. Isso porque o simples fato de utilizarem explosivo, já qualifica o crime, independentemente de se romper ou não o obstáculo ( aliás, o obstáculo poderia ter sido rompido por qualquer outro meio que não fosse o explosivo, daí porque subsistem as 2 qualificadoras).
Utilizando-se o mesmo critério, o juiz, desprezando o 1º bloco de qualificadora ( concurso de agentes e rompimento de obstáculo, com pena de  2 a 8 anos), pode começar com 4 anos, pela utilização do explosivo e acrescentar mais 2 anos, ante o concurso de agentes, e mais 2 pelo rompimento de obstáculo,  totalizando 8 anos. Acrescente-se mais 1/3 a este número, em face do repouso noturno, ou seja, 8 x 1/3=  2 anos e 8 meses . Logo, o resultado aqui seria de 10 anos e 8 meses .
A outra questão que se apresenta agora é:
a)     Temos 16 anos e 4 meses, na 1ª madrugada
b)    Temos 10 anos  e 8 meses, na 2ª madrugada.
Indaga-se: o juiz deve somar estas penas, ou pode se valer da regra do art 71 do CP (crime continuado)? Afinal, temos aqui crimes da mesma espécie (?)
a)     Usando-se o critério do concurso material de crimes (critério do cúmulo material), teríamos o total de 27 anos ( 1ª + 2ª madrugada)

b)    Usando o critério do crime continuado nas duas madrugadas, o juiz, utilizaria somente a pena mais grave (16 anos e 4 meses), fazendo um acréscimo de 1/6 a 2/3, de modo que a pena final não fique superior à que ficaria pelo critério do concurso material. ( art 71, par. Único)
Ex de aumento no mínimo: 16 anos e 4 meses X 1/6 = 32 meses, ou seja, 2 anos e 8 meses, que devem ser acrescidos à pena inicial, totalizando  19 anos . (ficou melhor que os 27 anos do cúmulo material).
Ex de aumento no máximo: 16 anos e 4 meses x 2/3= 11 anos.  (16+11=27)
Total de 27 anos (ficou igual), logo, neste caso, não faria diferença entre o cúmulo material ou critério da exasperação. Se o juiz, mesmo entendendo pela continuidade delitiva, aplicasse o aumento máximo previsto no art 71 do CP, por coincidência, o resultado seria o mesmo.
Crime continuado
 Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.
Ocorre que o caso aqui tratado deve ser visto pelo ângulo do CONCURSO MATERIAL DE CRIMES. Isso porque, a maneira de execução do crime na 1ª madrugada não é idêntica à maneira de execução da 2ª madrugada, inclusive com sujeitos passivos distintos, impedindo, portanto, aplicação da regra do crime continuado. Na 1ª madrugada, os agentes visavam o explosivo, valendo-se de escalada e arrombamento para consegui-lo. O explosivo era o fim visado pelos agentes. Na segunda madrugada, o explosivo era meio para atingir um fim, que era o dinheiro contido nos caixas eletrônicos, portanto, não se pode dizer que a maneira de execução dos crimes eram semelhantes, Além do que, não se sabe se o lugar era o mesmo ou se eram próximos, embora o lapso temporal fosse pequeno entre uma madrugada e outra . Note-se ainda que, na primeira madrugada, não houve somente crimes da mesma espécie , haja vista que houve subtração de explosivo e posse de explosivos (previsto inclusive em  diploma legal diverso) .

Obs: eu ainda poderia “piorar” o caso, dizendo que os meliantes subtraíram um carro para fuga, visando conduzi-lo até um país fronteiriço com o Brasil, incidindo mais uma hipótese de qualificadora no furto, mas...tá bom né? Já deu pra entender. (rs)

domingo, 11 de março de 2018



Estudo de caso

São Paulo-SP, agosto de 2017, uma mulher encontrava-se dormindo no interior de um ônibus coletivo quando, subitamente, um desconhecido ejacula em seu pescoço.
1-      Inicialmente, o homem foi conduzido à delegacia para providências iniciais.
2-      Apresentado ao juiz, este entendeu por  liberá-lo , eis que, segundo o magistrado, não havia motivo para prisão cautelar, haja vista que o fato amolda-se ao tipo legal do art 61 da lei de contravenções penais – importunação ofensiva ao pudor, com pena ínfima de pagamento de multa de meros contos de réis (legislação ultrapassada nesta parte)
3-      A sociedade  , inconformada, lança severas críticas à decisão do juiz, entendendo que o magistrado fora condescendente com o infrator, pois o ato coaduna-se com o delito de estupro (crime alçado pela lei 8072/90 à condição de hediondo), cuja pena varia entre 6 e 10 anos de reclusão, no regime inicial fechado.
4-    Pressionado pelo clamor público, o Ministério Público requer a prisão preventiva do infrator e o magistrado (penso que não foi o mesmo da decisão anterior)  a concede.
Em apertada síntese, estes os fatos.
Breve análise jurídica:

1- Diferença entre crime hediondo e  infração de menor potencial ofensivo (contravenção penal)
A lei 8072/90 assenta que o estupro é crime hediondo, sendo tal crime insuscetível de anistia, graça, indulto, fiança e após condenação, a pena deve ser cumprida em regime inicial fechado, cuja progressão não se dá após o cumprimento de 1/6 da pena, mas sim com 2/5 ou 3/5, a depender da primariedade do réu.
Já a contravenção penal do art 61 do dec lei 4688/41 é infração de menor potencial ofensivo, logo, não se sujeita à prisão em flagrante e nem mesmo se estipula fiança (o infrator se livra solto) . O delegado lavra um termo circunstanciado de ocorrência e o infrator é encaminhado ao Juizado Especial Criminal para as medidas previstas na lei 9099/95.

2-  A contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor

Importunação ofensiva ao pudor- art 61 dec lei 3688/41

Art. 61. Importunar alguém, em lugar público ou acessivel ao público, de modo ofensivo ao pudor:
        Pena – multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.

Importunar é perturbar o sossego, incomodar, constranger no sentido de envergonhar, “desconsertar” uma pessoa frente a outras.

3- Estupro ( art 213 CP)
Art. 213.  Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:          
 Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.    
4-Estupro de vulnerável ( 217-A)
Art. 217-A.  Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:               
 Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.             
§ 1o  Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.   

Obs: vale repetir que, de acordo com a lei 8072/90, estes são crimes hediondos, sujeitando-se, antes da condenação à impossibilidade de fiança e anistia , embora admita liberdade provisória, podendo o magistrado aplicar medidas cautelares diversas previstas no art 319 do CPP.  Após a condenação transitada em julgado, sujeita-se o réu  à pena privativa de liberdade em regime inicial fechado, sem direito a indulto ou graça, embora possa progredir de regime após cumprimento de 2/5 da pena se for primário e 3/5 se reincidente e também pode obter livramento condicional após cumpridos mais de 2/3 da pena, se não for reincidente específico.( art 83 CP).

5-ATO LIBIDINOSO

- ato de cunho erótico para satisfação da lascívia, da libido.
- ação que atinge o pudor, praticada com fins lascivos, luxuriosos.
- o beijo lascivo, segundo Damásio, constitui ato libidinoso.
- o ato de masturbação é um ato libidinoso.
- no estupro, o uso de violência (COAÇÃO FÍSICA)  ou grave ameaça (COAÇÃO MORAL)  se dirige a fazer com que a vítima pratique ou permita que com ela se pratique ato libidinoso

6- O ATO DE CONSTRANGER  ALGUÉM 

- CONSTRANGER aqui tem o sentido de  FORÇAR, OBRIGAR alguém a fazer ou não fazer algo que ela não queira.  Em termos legais,  não tem o sentido de embaraçar, humilhar, salvo , penso eu, no caso do crime de  assédio sexual.

7- OBSERVAÇÕES IMPORTANTES QUE TRAGO AO CASO: 

- a lei de tortura ( 9455/97), em seu art 1º, I também traz a expressão “ constranger”

Art. 1º Constitui crime de tortura:
I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental:
a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa;
b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa;
c) em razão de discriminação racial ou religiosa;

- o Código Penal brasileiro traz a expressão “constranger” em diversos tipos penais, dentre eles:

Constrangimento ilegal
        Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda:
        Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

Extorsão
        Art. 158 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa:
        Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.

Também os artigos 197,198,199 do CP- crimes contra a organização do trabalho- “ constranger, mediante violência ou grave ameaça”
ex: obrigar alguém a se associar a sindicato, a fazer ou participar de greve, a fechar comércio...


Assédio sexual           (AQUI NÃO EXIGIU VIOLÊNCIA OU GRAVE AMEAÇA)
        Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.               
        Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.     

*Observem que dentre todos estes crimes, o único que não trouxe a expressão “constranger” interligada  às expressões “ violência ou grave ameaça” foi o crime de assédio sexual. Logo, deduz-se que a “violência” ou “grave ameaça” são meios para se atingir o fim que é o constrangimento (forçar, obrigar). Não se pode forçar ou obrigar alguém a fazer algo, a não ser por meio de coação física (violência) ou moral (grave ameaça de um mal futuro).

Assim, a expressão “constranger” contida no crime de estupro, vem seguida de violência, que é coação FÍSICA ou grave ameaça , que é coação MORAL. No caso em tela, não houve tais espécies de coação, eis que a vítima encontrava-se dormindo.
Nem se diga então, que trata-se de estupro de vulnerável, pois não foi o infrator que provocou a sonolência da vítima para então, com ela, praticar ato libidinoso. Ela naturalmente encontrava-se dormindo e ele, valendo-se dessa situação, praticou o ato libidinoso.

8-DOENÇA MENTAL /PRISÃO PREVENTIVA

Cabe preventiva para contravenção penal?  Não.  Art 313 CPP

Art. 313.  Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:        (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos;  

- doente mental pode ser preso preventivamente? NÃO.

CPP, Art. 319.  São medidas cautelares diversas da prisão:  

VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração;     

9-APÓS AS PRESSÕES SOCIAIS, HOUVE A PRISÃO PREVENTIVA do INFRATOR. INDAGA-SE:  HAVIA FUNDAMENTO LEGAL? 

Para haver prisão preventiva é preciso verificar se existem os pressupostos e fundamentos previstos no art 312  do CPP, além das hipóteses de admissibilidade do art  313.
a) Se inicialmente, o juiz entendeu que não houve crime, mas sim contravenção, não é cabível a preventiva.
b) pairam dúvidas sobre a sanidade mental do infrator, logo, deveria o magistrado ter aplicado a medida cautelar do 319, VII. Isso já evitaria que houvesse reiteração de infrações por parte do infrator.
c) para aplicação da prisão preventiva far-se-ia necessário reconhecer que o infrator num primeiro momento, tivesse praticado crime: a) grave b) com pena máxima superior a 4 anos c) que houvesse prova da existência de tal crime d) para garantia da ordem pública .
Ora, para que haja perfeito enquadramento nessas hipóteses, é preciso que o magistrado tenha mudado  seu posicionamento, entendendo agora, que houve de fato, delito de estupro e não mera contravenção, e mais, que o infrator não apresentasse nenhum sinal de debilidade mental.  (assim, penso que o juiz que determinou a preventiva não foi  o mesmo que entendeu pela classificação da infração em contravenção penal)

10- CONCLUSÕES

Tecnicamente falando, por todas as razões aqui expostas, penso que o magistrado estava com a razão. De fato, de acordo com a lei, não houve estupro. NÃO HOUVE O CONSTRANGIMENTO no sentido de “forçar”, “obrigar”, mediante aplicação de violência (coação física) ou grave ameaça (coação moral). Não houve violência, repita-se, porque a violência (força física)  é o meio para se atingir o fim (constranger) .  Daí porque o legislador distinguiu as expressões “constranger” e “importunar”.
Nem se diga que o episódio em si, carrega certa dose de violência implícita. Isso  pode até ser verdade, num contexto sociológico, no entanto, não é permitido ao juiz, interpretando o contexto sociológico, criar um tipo penal.  Se o dispositivo penal criado pelo legislador não traz , de forma categórica,  a expressão “ mediante violência”, o juiz estará impedido de fazê-lo, sob pena de ferir o principio da legalidade, expresso inclusive em nossa Constituição Federal, criando assim, enorme insegurança jurídica. A lei penal deve ser certa, taxativa, inadmite analogias em prejuízo do acusado. Só há infração penal (seja crime, seja contravenção), se uma LEI anterior  a definir. O que não estiver expresso na lei, não pode ser criado pelo juiz e muito menos pela sociedade.
Me  parece que o único crime onde a expressão “constranger” não tem o sentido de forçar, obrigar é o de assédio sexual. É que se o chefe de uma mulher a obriga a com ele praticar atos libidinosos sob  pena de demiti-la, penso que aí teríamos o crime de estupro, pois ele a constrangeu (obrigou) a com ele praticar ato libidinoso mediante grave ameaça (demissão). Mas veja que o crime de assédio sexual não cita a expressão “violência” ou “grave ameaça”, então o constrangimento a que se refere o artigo só pode ser no sentido de “ importunar”, “desconsertar”, submeter a vítima a situação vexatória, etc. daí porque a pena é até pequena, pois a máxima não passa de 2 anos.
As críticas ao magistrado são até compreensíveis, dadas as circunstâncias  de um fato lamentável, asqueroso, repugnante, vexatório e até humilhante, mas penso que a falha maior é do legislador e não do juiz, que aplica a lei. Falha ainda maior do Estado que já não tomara providências  quanto a retirar esse indivíduo do convívio social, pois tem-se notícias de que ele já houvera praticado outras infrações de conotação libidinosa por diversas vezes.
O legislador deve estar atento aos fatos sociais. Se é recorrente a prática de atos libidinosos contra mulheres em transportes coletivos (ex; metrô de São Paulo), é hora de alçar a contravenção de importunação ao pudor à condição de crime, punindo tais atos  , por exemplo , com pena de reclusão de até 3 anos e mais multa (atualizada). Seria uma boa saída, ao menos para os efeitos penais.

Prof Lincoln Rufino

terça-feira, 28 de junho de 2016

SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A REVISTA ÍNTIMA



SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A  REVISTA ÍNTIMA
A revista íntima é permitida em pessoas que pretendem visitar parentes presos?
Se a revista íntima for proibida, incide em crime o agente estatal que procede à tal revista?
E se durante a revista pessoal, é encontrado com o revistado(a) aparelho celular destinado a ingresso no presídio, sem autorização legal, existe crime? 
Os Estados da federação podem legislar sobre o tema, inclusive criminalizando a conduta do agente carcerário que realiza a revista íntima?
Para responder a estas questões, você precisará:
1) da CF/88
2) da lei 10792/03
3) da lei 13271/16
4) da Resolução nº05/14, do CNPCP
5) do Código Penal
Vamos aos tópicos:
1) a CF/88, em seu art 1º, III traz como fundamento da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana. No art 5º, inciso X , traz a inviolabilidade da intimidade da pessoas, inclusive permitindo a busca de indenização pelo dano moral decorrente de sua violação.
2) A Lei nº 10792/03, em seu art 3º, assevera que “ Os estabelecimentos penitenciários disporão de aparelho detector de metais, aos quais devem se submeter todos que queiram ter acesso ao referido estabelecimento, ainda que exerçam qualquer cargo ou função pública”.
3) a Lei nº 13271/16, proíbe qualquer forma de revista íntima em mulheres. Aqui uma observação: tal lei trata somente de “funcionárias” e “clientes do sexo feminino” de empresas privadas e órgãos da administração direta ou indireta, portanto, sem aplicação ao sistema prisional, uma vez que as visitantes de presos em unidade prisional não são clientes e nem funcionárias. A pena para o empregador é de R$ 20.000,00  revertidos aos órgãos de proteção à mulher. Ou seja, a vítima do abuso deve buscar a Justiça através de ação de indenização por danos morais.
Imaginemos uma “cliente” que entra numa loja de bijuterias e subtrai uma joia, escondendo-a nas partes íntimas. Na saída da loja, o sistema de alarme é disparado. E aí? Como deve proceder  o lojista? Está proibida a revista íntima, logo, deve-se conduzir a referida pessoa ao provador e solicitar à mesma que retire das partes íntimas o produto subtraído e faça a devolução, sem, porém, submetê-la à revista íntima. (difícil, não?) (obs: aqui, existe o crime de furto tentado, pois o objeto ainda não saiu da esfera de vigilância da vítima. O STJ, STF, além de farta doutrina, já se manifestaram no sentido de que, mesmo havendo sistema de vigilância eletrônica na loja, não é hipótese de crime impossível)
E se, em vez de uma “cliente”, estivéssemos diante de uma pessoa do sexo masculino?  Observe que a lei 13271/16 só protegeu a intimidade das mulheres, não dos homens. Afinal, homem (cliente de uma loja ou funcionário de uma fábrica) , não tem assegurado pela CF/88, a inviolabilidade de sua intimidade? Resposta: SIM. Este poderá ingressar com ação indenizatória, no entanto, ao lojista ou dono de uma fábrica, não será imposta a referida multa de R$ 20.000,00, porque a lei só tratou da revista íntima em mulheres.
Veja art 1º da referida lei: “As empresas privadas, os órgãos e entidades da administração pública, direta e indireta, ficam proibidos de adotar qualquer prática de revista íntima de suas funcionárias e de clientes do sexo feminino”.
Imaginemos uma fábrica com 500 funcionários, sendo 250 homens e 250 mulheres. Pela letra da lei, é proibido revista íntima nas funcionárias, sob  pena de multa de R$20.000,00, além da funcionária que se sentir ofendida poder buscar indenização na Justiça por danos morais. E quanto aos funcionários do sexo masculino? Também podem buscar indenização, mas a fábrica não pagará a multa de R$ 20.000,00 previstas em lei.
o artigo 3º desta lei, que se referia ao sistema prisional, foi VETADO pela Presidente da República, pois nada dispunha sobre a revista íntima. Veja a redação: “Nos casos previstos em lei, para revistas em ambientes prisionais e sob  investigação policial, a revista será unicamente realizada por funcionários servidores femininos”.
Assim, o Congresso Nacional perdeu uma ótima oportunidade de legislar sobre o tema na esfera do sistema prisional.
4) por fim, e de suma importância, tem-se a resolução nº 05 de 28/08/14, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, que traz , em seus arts 1º, parágrafo único e 2º, as seguintes disposições:
Art 1º(...)
parágrafo único. A revista pessoal deverá  ocorrer mediante  uso  de equipamentos eletrônicos   detectores   de   metais,   aparelhos   de   raios-x,   scanner   corporal,   dentre outras   tecnologias   e   equipamentos   de   segurança   capazes   de   identificar   armas, explosivos,   drogas   ou   outros   objetos   ilícitos,   ou,  excepcionalmente,   de   forma manual.
Art. 2º.   São vedadas quaisquer  formas  de   revista   vexatória,   desumana   ou  degradante.
Parágrafo  único.   Consideram-se, dentre  outras,   formas   de   revista   vexatória, desumana ou degradante:
I – desnudamento parcial ou total;
II – qualquer conduta que implique a introdução de objetos nas cavidades corporais  da pessoa revistada;
III – uso de cães ou animais farejadores, ainda que  treinados para esse fim;
IV – agachamento ou saltos.
Art.  4º.  A  revista  pessoal   em   crianças   e   adolescentes   deve   ser   precedida   de autorização   expressa   de   seu   representante   legal   e   somente   será   realizada   na presença deste.
Cumpre lembrar que tais dispositivos trazidos pela presente resolução são apenas recomendações, servem de orientação. Não é  lei emanada do Congresso Nacional.
Assim, conclui-se que revistas íntimas em presídios são proibidas. A revista pessoal, especialmente em mulheres, inclusive de forma manual, é possível. No entanto, tais condutas não devem ser confundidas com a revista íntima, vexatória, humilhante. Se houver suspeitas de que uma visitante traz drogas ou aparelho celular, por exemplo, em suas partes íntimas, o recurso tecnológico deve ser capaz de detectar os objetos ilicitamente conduzidos. Mas a inserção de dedos, objetos ou manipulação em partes íntimas das pessoas, determinar agachamento, saltos, desnudamento, como visto até aqui, não serão admitidos.
Se a revista íntima for proibida, incide em crime o agente estatal que procede à tal revista?
Como visto até aqui, não há LEI específica incriminando tal conduta. Não custa lembrar que tanto a CF/88, quanto o Código Penal, asseveram que não há crime sem uma LEI anterior que o defina.
Veja que a resolução nº 05, como dito, tem força de recomendação, logo, tal resolução não pode incriminar condutas. Quando muito, o agente, ao violar essa resolução, poderia responder na esfera administrativa.
No entanto, se entendermos que o agente estatal, ao proceder à revista íntima, estaria atentando contra a incolumidade física do revistado (a), seria possível que tal conduta fosse tipificada como crime de abuso de autoridade previsto no art 3º da lei nº 4898/65.   
E se durante a revista pessoal, é encontrado com o revistado (a) aparelho celular destinado a ingresso no presídio, sem autorização legal, existe crime? 
Aqui, a resposta é afirmativa. Todo aquele que conduz aparelho celular ou similar para dentro do presídio sem autorização legal incide em crime previsto no artigo 349-A do Código Penal, ainda que seja um familiar do detento. O processo e julgamento dar-se-á no Juizado Especial Criminal, haja vista ser considerado delito de menor potencial ofensivo.
Art. 349-A.  Ingressar, promover, intermediar, auxiliar ou facilitar a entrada de aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar, sem autorização legal, em estabelecimento prisional. (Incluído pela Lei nº 12.012, de 2009).
 Pena: detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.
Aqui, o legislador foi econômico nas palavras, dizendo menos do que deveria, pois sabe-se que diversos outros objetos são conduzidos para o interior de presídios no intuito de facilitação de fuga de presos ou mesmo para seu mero deleite. Ex: faca, punhal, canivete, serra, drogas, álcool, cartão pré-pago, etc.
Infelizmente, por ser norma penal, não se pode fazer uso da analogia (in mala partem),  sob  pena de infração ao princípio da legalidade. Também não é possível interpretação extensiva porque não se parte de uma premissa lógica onde o legislador diz menos que deveria, exemplifico: bigamia é crime? Sim. Ocorre quando pessoa casada contrai novo casamento. Indago: E se a pessoa contrai novos casamentos, também é crime? Lógico! (eis aqui um caso de interpretação extensiva, pois, embora o legislador tenha utilizado a expressão “novo”, não fere o princípio da legalidade o emprego da expressão “novos”, pois o intérprete pode alargar o alcance da norma sem implosão do tipo legal ). Logo, voltando ao nosso caso, deve-se verificar o tipo de infração praticada, quando alguém leva objetos para dentro do presídio. Ex: quem conduz drogas para o interior do presídio responderá por crime de tráfico de drogas, previsto na lei 11343/06 e assim por diante.
Os Estados da federação podem legislar sobre o tema, inclusive criminalizando a conduta do agente carcerário que realiza a revista íntima?
Os Estados da federação podem sim legislar sobre a matéria, tanto que o fizeram. O art 24, I da CF/88 permite que os Estados legislem sobre direito penitenciário.  Cite-se como exemplo, a lei nº 15552 do Estado de São Paulo, que dispõe sobre a proibição de revista íntima nos presídios, além de outros Estados que trataram da matéria via lei ordinária estadual. No entanto, não lhes é possível criminalizar a conduta do agente que realiza a revista íntima porque, segundo a CF/88,art 22, I compete privativamente à União, legislar sobre Direito Penal, salvo se uma Lei Complementar do Congresso Nacional, autorizasse o Estado a legislar sobre essa questão específica, consoante o parágrafo único do mesmo artigo, o que não foi o caso.