sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Direito Penal subsidiário

Aqui um bom exemplo de que o Direito Penal é subsidiário, ou seja, só deve ser aplicado em  ultima ratio.

veja este julgamento do STJ.

GRATUIDADE JUDICIÁRIA. DECLARAÇÃO DE POBREZA. FALSIDADE.

A Turma reiterou o entendimento de que a apresentação de declaração de pobreza com informações falsas para obtenção da assistência judiciária gratuita não caracteriza os crimes de falsidade ideológica ou uso de documento falso. Isso porque tal declaração é passível de comprovação posterior, de ofício ou a requerimento, já que a presunção de sua veracidade é relativa. Além disso, constatada a falsidade das declarações constantes no documento, pode o juiz da causa fixar multa de até dez vezes o valor das custas judiciais como punição (Lei n. 1.060/1950, art. 4º, § 1º). Com esses fundamentos, o colegiado trancou a ação penal pela prática de falsidade ideológica e uso de documento falso movida contra acusado. HC 217.657-SP, Rel. Min. Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ-RS), julgado em 2/2/2012.
Outro julgado, mais novo e por unanimidade:
HC 261074 de 2012, out 2013 concluso relatora. Data pub acordao: 18/08/14

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

dicas de legislação especial:



1 armas

a) o crime de omissão de cautela (art 13) , é crime culposo e de perigo, se consuma com o apoderamento da arma por parte do menor ou doente mental. Logo, é crime material. No entanto, se o agente deixa apenas munição, ao alcance de menor ou doente mental, responde por contravenção penal, se aqueles vierem a se apoderar da mesma. Se se tratar de acessório de arma, o fato é atípico.( não confundir com o crime de posse ou porte de arma de fogo, acessório ou munição)

b) o parágrafo único do art 13 é crime PRÓPRIO e só é punível a título de dolo. Se o diretor ou responsável de empresa de segurança, por esquecimento, não informa o extravio de arma de fogo, o fato é atípico. Nenhum funcionário da empresa será responsabilizado penalmente, se não informar o extravio de arma, acessório ou munição. (Capez)

c) indivíduo que importa ou exporta armas, acessórios ou munições, de forma clandestina responde por crime de tráfico internacional de armas, previsto no art 18 do Estatuto do desarmamento e não por crime de contrabando previsto no 334-a, do CP. e o funcionário que favorece a entrada ou saída do armamento, não responde por facilitação de contrabando do art 318 CP, mas também por crime de tráfico de armas. (princípio da especialidade)

d) todos os crimes previstos na Lei são afiançáveis. ( STF)

e) a posse irregular e o porte ilegal de arma de fogo são crimes de perigo abstrato.

f) o disparo de arma de fogo absorve o crime de porte ilegal, se no mesmo contexto fático.

g) porte ilegal de arma de fogo, ainda que desmuniciada constitui crime. (STF)

h) porte de "arma" de brinquedo não constitui crime de porte ilegal de arma de fogo e , mesmo se usada para prática de assalto, NÃO majora a pena no crime de roubo.  

i) a jurisprudência entende que a ausência de laudo pericial da arma não impede a configuração do crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo, pois é crime de perigo abstrato.

2 drogas

a) a lei pune o porte de drogas para consumo pessoal e não o uso, em face do princípio da alteridade.

b) STF não aplica o princípio da insignificância para o porte de pequena quantidade de droga, eis que o crime é de perigo abstrato.

c)  “Súmula 512 do STJ: A aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 não afasta a hediondez do crime de tráfico de drogas.”

d) cessão eventual ou gratuita de drogas é crime de menor potencial ofensivo, desde que satisfeitas TODAS as circunstâncias a seguir: “OFERECER DROGA + EVENTUALMENTE + SEM OBJETIVO DE LUCRO + A PESSOA DE SEU RELACIONAMENTO + PARA JUNTOS A CONSUMIREM”. Faltando qualquer deles, o crime é o de tráfico de drogas.

e) “O fato de duas pessoas, ocasionalmente, encontrarem­-se na porta de um colégio e decidirem, naquele mesmo instante, induzir um estudante a consumir entorpecente não constitui associação criminosa, pois se trata de mera reunião casual, sem qualquer estrutura, ajuste prévio ou estabilidade que possa indicar a permanência de uma associação”  Fernando, Capez. “Curso de Direito Penal - Vol. 4 - Legislação Penal Especial - 9ª Ed. 2014.”  portanto, cuidado com o art 35 da lei.

f) delação premiada ou eficaz (também chamada de ponte de prata qualificada) : “o indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais coautores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um a dois terços”.

g) é cabível liberdade provisória, bem como substituição de pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos, para o crime de tráfico de drogas. No entanto, para haver a redução, o acusado deve ser PRIMÁRIO, ter BONS ANTECEDENTES, NÃO SE DEDICAR A ATIVIDADES CRIMINOSAS E NEM INTEGRAR ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. 

h) segundo o STF, o regime inicial de cumprimento de pena para o condenado por tráfico de drogas fica a critério do juiz, mediante decisão fundamentada. Não há mais obrigatoriedade de cumprimento de pena em regime inicial fechado. O juiz deve decidir acerca dessa necessidade.

Bons estudos !


dica de Processo Penal:


Quanto à aplicação da lei processual penal NO TEMPO, vigora o princípio da IMEDIATIDADE (tempus regit actum) , ou seja, será aplicada de imediato ao processo, ainda que em curso, uma nova lei que entre em vigor. No entanto, os atos já praticados sob o império da lei anterior revogada, reputam-se válidos.
portanto, lei processual penal (salvo a de natureza híbrida)  NÃO RETROAGE, ainda que para benefício do réu. (diferente da lei penal)

Quanto à aplicação da lei processual penal NO ESPAÇO, segundo doutrina majoritária, vigora o princípio da TERRITORIALIDADE ABSOLUTA (locus regit actum) , pois aplica-se a lei processual penal brasileira somente em território nacional. (diferente da lei penal que admite a extraterritorialidade, ou seja, aplicação da lei penal brasileira, mesmo para crimes ocorridos no estrangeiro). 

Lembre-se, as exceções trazidas pelo art 1º do CPP referem-se à aplicação do CÓDIGO DE PROCESSO PENAL . Nosso CPP não traz hipótese de aplicação da lei processual penal brasileira fora do território nacional ou aplicação de lei alienígena para crimes ocorridos em território nacional. Repito, o art 1º comporta exceções à APLICAÇÃO DO CPP significando dizer que :  ou pode-se aplicar outro dispositivo processual penal (ex: CPPM) ou NÃO se aplica nenhum dispositivo processual pátrio (ex: tratados e convenções), mas não admite aplicação de lei processual de nenhum país estrangeiro.

concluindo: lei processual penal não admite RETROATIVIDADE (quanto à sua aplicação no tempo), salvo se tiver natureza híbrida, nem EXTRATERRITORIALIDADE (quanto à sua aplicação no espaço) . 

obs: natureza híbrida - norma processual com conteúdo de norma penal, atingindo, direta ou indiretamente a liberdade do réu. (ex: fiança, liberdade provisória, prisão preventiva, etc)




domingo, 14 de fevereiro de 2016

ambulante caluniada

Durante o período carnavalesco, um triste episódio trouxe à tona o risco que as pessoas de bem estão sujeitas ante a rápida propagação de imagens por meio da rede mundial de computadores, acentuadamente o facebook.
O fato , gravado por alguém que certamente encontrava-se no local sozinho, em todas as acepções da palavra, jogado, largado, desprezado, ignorado ,  incorpora o espírito do repórter bem -aventurado  (ou aventureiro ?) ,  que se vê diante do furo jornalístico, apressando-se em gravar e lançar às favas a honra e a imagem de uma pessoa que, mesmo gestante, tentava ganhar seu pão de cada dia. 
Num outro vídeo, procurada pela reportagem de uma TV local, a ofendida diz que vai procurar seus direitos.
Logicamente que a indenização civil por danos morais é de rigor, mas e na seara penal? Houve crime por parte do divulgador das imagens?
A resposta, uma vez apurados e confirmados os fatos, como é de rigor num Estado democrático de direito,  será afirmativa.
Vejamos:
1- divulgou-se um vídeo em que se “denunciava” uma pessoa que, pelas imagens, enchia garrafas descartáveis com água suja proveniente de um  isopor que certamente continha outras garrafas lacradas, contendo  água mineral.

2- se fosse provado o fato de que a vendedora ambulante de fato vendia “gato por lebre”, ou seja, água suja proveniente de degelo, em lugar de água mineral,  estaríamos diante de um crime contra a saúde pública, previsto no Código Penal (art 272), além do crime de estelionato ( art 171CP), pois estaria induzindo pessoas a erro, com o fito de auferir vantagem econômica.

Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de substância ou produtos alimentícios
        Art. 272 - Corromper, adulterar, falsificar ou alterar substância ou produto alimentício destinado a consumo, tornando-o nociva à saúde ou reduzindo-lhe o valor nutritivo:
        Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.
        § 1º - Está sujeito às mesmas penas quem pratica as ações previstas neste artigo em relação a bebidas, com ou sem teor alcoólico. 

3- no entanto, tal prova não parece possível porque em nenhum momento da gravação se vê a  ambulante vendendo ou mesmo oferecendo a consumo a referida substância. Ao contrário, procurada pela reportagem, ante a enorme propagação do fato, apresenta testemunhas que afirmam que a água suja contida nas garrafinhas destinava-se a um bloco carnavalesco que se diverte jogando água uns nos outros.

4-aos prantos, humilhada, a pobre ambulante, visivelmente abalada ante a repercussão do fato , diz que  vai procurar seus direitos.

5- neste caso, na esfera penal, em tese, após apuração dos fatos, a pessoa que gravou , em não obtendo êxito de provar que a água falsificada era destinada a consumo, deve responder pelo crime de calúnia , na forma majorada, conforme arts 138 c/c art 141, III.  Vejamos:
Calúnia
        Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:
        Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
Art. 141 - As penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido:
        III - na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria.

6- o que se viu aqui foi um ato despropositado, maldoso, falsamente maquiado de “boas intenções”, precipitado e leviano, atingindo em cheio a honra, a imagem e a dignidade da pessoa humana, este último guindado  a fundamento maior de nosso arcabouço jurídico.

7- mas não é só. Conhecendo nossa cultura ainda bastante preconceituosa, certamente a discriminação  restou embutida na ação contumaz, uma vez que uma pessoa pobre, de cor negra, só pode mesmo ser suja e desonesta, ignorando qualquer padrão de higiene ou conduta ética e adequada à boa convivência social . Tal fato, se sobejamente provado, culminaria em mais um crime, agora do art 140, §3º do Código Penal.
Injúria
        Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
        Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
  § 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:       
        Pena - reclusão de um a três anos e multa. 

8- explanei rapidamente , e sempre , EM TESE, o fato e suas possíveis consequências na esfera penal. Lógico que tudo dependerá de criteriosa investigação (se é que haverá uma...afinal...de quem estamos falando? ) . Mas, para  além da intenção  de trazer o fato concreto da vida à moldura do tipo penal, o intuito maior é mostrar meu  repúdio e deixar o alerta de que este  enorme poder que nos é dado de manipular uma câmera e divulgar imagens  de  pessoas , muitas vezes inocentes,  vítimas de gestos  covardes, pode trazer consequências tanto na esfera cível quanto penal.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016



PORTE ILEGAL DE ARMA  DE FOGO X LEGÍTIMA DEFESA

 A QUESTÃO É: QUEM MATA ALGUÉM COM ARMA DE FOGO ILEGAL , EM EVIDENTE SITUAÇÃO DE LEGÍTIMA DEFESA, RESPONDE PELO CRIME DE PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO? 


Na Lei 10826/03 ( Estatuto do desarmamento)

Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido
        Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
        Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

 No Código Penal:

 Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:
        I – (...)
        II - em legítima defesa
Legítima defesa
        Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem

Quem mata alguém ilicitamente com emprego de arma de fogo ilegal, deve responder por dois delitos ( homicídio + porte ilegal de arma) ou somente pelo crime de homicídio?
Doutrina e jurisprudência  concordam que existe um só crime: o mais grave. Aplica-se aqui o princípio da consunção, onde o crime-meio ( porte ilegal de arma) fica absorvido pelo crime-fim. É que para que o crime maior pudesse ser  consumado ( homicídio) , imprescindível a passagem forçada pelo crime-meio( porte ilegal de arma) .
Seguindo tal raciocínio, agora indaga-se: quem mata alguém LICITAMENTE com arma de fogo ILEGAL, responde por algum crime?
Este caso também já foi enfrentado tanto pela doutrina (ex: Guilherme Nucci) quanto pela jurisprudência (ex: STF, HC 111488). Ora, se uma pessoa mata outra de forma LÍCITA  é porque agiu amparado sob alguma das excludentes de ilicitude apostas no art 23 do Código Penal, dentre elas, por exemplo, a legítima defesa.  Então, não há crime de homicídio. Mas,  será que subsiste o crime de porte ilegal de arma de fogo? ( aplica-se o princípio da subsidiariedade?)  Afinal, este é um crime de perigo abstrato, ou seja, quem sai de casa com uma arma na cintura sem autorização legal, já pratica  crime. Mas e se essa arma foi empregada justamente para a legítima defesa própria ou de outrem? Na visão da doutrina e jurisprudência, não subsiste o crime, uma vez que este era o meio necessário para repelir uma injusta agressão, além de que, se o crime maior está fulminado pela legítima defesa, não pode subsistir o menor, pois foi o meio encontrado para alcançar o fim.
Portanto, a arma será apreendida, mas não subsiste qualquer crime ao caso postulado.

CONFIRA NA DOUTRINA:

legítima defesa e estado de ne­cessidade: a ocorrência da utilização de arma de fogo em legítima defesa ou estado de necessidade, ainda que configure qualquer tipo penal da Lei 10.826/2003, afasta a possibilidade depuração do agente:- Afinal, a situação maior — de licitude— para a pro­teção da integridade física própria ou de
terceiro, envolve e absorve o delito de pe­rigo, relativo à posse ou porte de arma de fogo, acessório ou munição irregular;
Guilherme de Souza Nucci - Leis Penais e Processuais Penais Comentadas - 5º Edição - Ano 2010

CONFIRA NA JURISPRUDÊNCIA:

Segunda-feira, 27 de abril de 2015
Ministro aplica princípio da consunção e anula condenação imposta a lavrador mineiro
O ministro Luiz Fux concedeu, de ofício, ordem no Habeas Corpus (HC) 111488 para anular a condenação por porte ilegal de arma de fogo imposta ao lavrador F.M.S pela Justiça mineira. No dia 8 de fevereiro de 2007, na zona rural de Caputira (MG), F.M.S. conseguiu evitar o estupro de sua sobrinha de 13 anos ao disparar três vezes contra o agressor. Não foi denunciado por tentativa de homicídio nem por disparo de arma de fogo, em razão da evidente situação de legítima defesa de terceiro, mas o Ministério Público estadual o denunciou por porte ilegal de arma de fogo de uso permitido. O lavrador foi condenado a um ano e seis meses de reclusão em regime aberto, tendo a pena sido convertida em pena restritiva de direitos.
No STF, a Defensoria Pública da União pediu a aplicação ao caso do princípio da consunção para afastar a condenação. A consunção ocorre quando um crime é meio para a prática de outro delito. Com isso, ele é absorvido pelo crime-fim, fazendo com que o agente responda apenas por esta última infração penal. Ao conceder o habeas corpus de ofício, o ministro Fux acolheu parecer do Ministério Público Federal (MPF) no sentido de que não há dúvidas de que os delitos de porte ilegal e disparo de arma de fogo se deram em um mesmo contexto fático, motivo pelo qual se faz necessário reconhecer a absorção de uma conduta pela outra.
“De fato, está configurada a consunção quando a conduta imputada ao paciente (porte ilegal de arma de fogo) constitui elemento necessário ao crime fim (disparo de arma de fogo), quando praticados no mesmo contexto fático. Destarte, tendo sido afastado o crime de disparo de arma de fogo, por faltar ilicitude à conduta, uma vez que praticada em legítima defesa de terceiro, não subsiste o crime de porte ilegal de arma de fogo no mesmo contexto fático, sob pena de condenação por uma conduta típica, mas não ilícita”, afirmou o ministro Fux em sua decisão. Segundo o relator, o habeas corpus não pode ser conhecido por ser substitutivo de recurso ordinário, entretanto o ministro concedeu a ordem de ofício.