domingo, 3 de junho de 2018

CONCURSO DE CRIMES, DE AGENTES E DE QUALIFICADORAS



Recentemente, a Lei nº 13.654/18, acrescentou dispositivos no Código Penal, incriminando com maior rigor, o furto (e o roubo) de substância explosiva, bem como punição mais severa pela prática de tais delitos patrimoniais ,  valendo-se o(s)  agente (s) de explosivos ou  artefatos análogos.
Como o dispositivo legal trouxe o explosivo ora como meio empregado para a prática do crime, ora como objeto, é de se notar que é possível que um mesmo agente (ou grupo), pratique os dois delitos, ainda que dentro de um mesmo contexto: furto de explosivo e furto mediante o uso do explosivo furtado.
Analisemos este contexto..
O furto , delito patrimonial previsto no art 155 do Código Penal, tem:
1 majorante- quando praticado durante o repouso noturno.
4 qualificadoras, cuja pena pode variar entre 2 e 8 anos.
2 qualificadoras, cuja pena pode variar entre 4 e 10 anos.  É o caso de quem emprega explosivo ou artefato análogo que cause perigo comum OU de quem subtrai  substâncias explosivas ou  acessório que permita fabricação do explosivo.
1 qualificadora, cuja pena pode variar entre 3 e 8 anos, para o caso de subtração de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior.    
1 qualificadora, cuja pena pode variar entre 2 a 5 anos, se a subtração for de semovente domesticável de produção.
Assim, percebe-se que o crime de furto tem 8 (oito) qualificadoras.
A questão que pode suscitar dúvidas é quanto ao concurso de mais de uma qualificadora, que apresentem penas  base diferentes. Um exemplo:
É possível que 3 pessoas, na calada da noite, mediante arrombamento de um portão e escalada de um muro alto, ingressem numa fábrica de explosivos e dali subtraiam grande quantidade de explosivos. Na madrugada seguinte, o mesmo grupo, agora valendo-se dos explosivos furtados, o empreguem em dois caixas eletrônicos, localizados no interior de uma agência bancária, conseguindo êxito na explosão dos equipamentos e subtração de elevada quantia em dinheiro. Indaga-se, como tipificar tais condutas, haja vista que as qualificadoras apresentadas tem penas diferentes e ainda que apresentem penas base idênticas, como poderíamos proceder?
No caso dado, temos:
Na 1ª madrugada:
Furto qualificado: (com pena entre 2 e 8 anos) – art 155, § 4º
a)     Pelo concurso de agentes (3 pessoas)
b)    Pela escalada (saltaram um alto muro)
c)     Pelo rompimento de obstáculo (arrombaram o portão)
+
Furto qualificado (com pena entre 4 e 10 anos), pela subtração dos explosivos- art 155, §7º
+
Majorante do repouso noturno- art 155, §1º
+
O exemplo dado ainda traz mais um fator complicador, pois o art. 16, inciso III, da Lei 10.826/03 tipifica a posse, a detenção, a fabricação e o emprego de artefato explosivo ou incendiário sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, cuja pena é de reclusão de 3 a 6 anos e multa, o que nos faz indagar a respeito da caracterização do concurso de delitos ou aplicação do princípio da consunção. (obs: aqui, temos, segundo a doutrina majoritária, um crime hediondo, pois, com o advento da Lei  nº 13.497/17, não só a posse de arma de fogo de uso restrito , como  todos os demais incisos previstos no art 16, se tornaram crimes hediondos).  A mesma doutrina assevera que não é possível que um crime hediondo- porte de explosivo- seja absorvido por um   outro crime que não seja hediondo - furto qualificado de substância explosiva-. Ademais, são condutas diversas, com sujeitos passivos diversos, tornando assim, inevitável, o concurso  material de crimes.

Na 2ª madrugada:
Furto qualificado: ( 2 a 8 anos) – art 155, §4º
a)     Pelo concurso de agentes (3 pessoas)
b)    Pelo rompimento de obstáculo (pois arrombaram os caixas eletrônicos)
+
Furto qualificado (com pena entre 4 e 10 anos),por terem feito uso do explosivo na agência bancária. (tinham a opção de arrombarem os caixas por outros meios , mas valeram-se de explosivos). – art 155, § 4º-A.
+
Majorante do repouso noturno- art 155, §1º

Resolução
Na 1ª madrugada:
Aqui, como existem 2 blocos de qualificadoras ( 2 a 8 anos) e ( 4 a 10anos), o juiz pode se valer da qualificadora mais grave, desprezando a outra. ( 2 a 8 anos) + ( 4 a 10 anos)
Faço aqui uma interpretação extensiva (e benéfica ao réu), valendo-me do art 68 do CP que trata do concurso de majorantes, mas que é possível aplicar no caso de concurso de qualificadoras.
Art 68, Parágrafo único - No concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua.
Portanto, o juiz  utiliza a pena entre 4 e 10 anos, como marco inicial de dosimetria de pena. No entanto, ao analisar as circunstâncias do crime, levará em conta os 3 fatores que integravam a 1ª qualificadora ( concurso de pessoas, escalada e rompimento de obstáculo), (afinal, isso não pode ser desprezado), podendo assim, utilizar tais elementos para aumentar a quantidade de pena entre 4 e 10 anos. O valor do aumento fica a critério de cada juiz.
Ex: pode ser que o juiz inicie a dosimetria da pena, valendo-se de 4 anos, ante o furto do explosivo, e depois, adicione mais 2 anos, pelo concurso de agentes, mais 2 anos, pelo rompimento de obstáculo e mais 2 anos, pela escalada, totalizando 10 anos. Ao final, ele acrescenta 1/3 em cima deste número alcançado, em face do repouso noturno (majorante) . Ou seja, 10anos x 1/3= 3 anos e 4 meses; adicione-se  + 3 anos (pena mínima) para o delito de porte de explosivos (lei 10826/03) (se liga na matemática!) – total da brincadeira, só na 1ª madrugada= 16 anos e 4 meses (sem contar eventuais agravantes).  
Na 2ª madrugada, usamos o mesmo raciocínio, no entanto, entendo que ao fazerem uso do explosivo, não resta absorvida a qualificadora do rompimento de obstáculo. Isso porque o simples fato de utilizarem explosivo, já qualifica o crime, independentemente de se romper ou não o obstáculo ( aliás, o obstáculo poderia ter sido rompido por qualquer outro meio que não fosse o explosivo, daí porque subsistem as 2 qualificadoras).
Utilizando-se o mesmo critério, o juiz, desprezando o 1º bloco de qualificadora ( concurso de agentes e rompimento de obstáculo, com pena de  2 a 8 anos), pode começar com 4 anos, pela utilização do explosivo e acrescentar mais 2 anos, ante o concurso de agentes, e mais 2 pelo rompimento de obstáculo,  totalizando 8 anos. Acrescente-se mais 1/3 a este número, em face do repouso noturno, ou seja, 8 x 1/3=  2 anos e 8 meses . Logo, o resultado aqui seria de 10 anos e 8 meses .
A outra questão que se apresenta agora é:
a)     Temos 16 anos e 4 meses, na 1ª madrugada
b)    Temos 10 anos  e 8 meses, na 2ª madrugada.
Indaga-se: o juiz deve somar estas penas, ou pode se valer da regra do art 71 do CP (crime continuado)? Afinal, temos aqui crimes da mesma espécie (?)
a)     Usando-se o critério do concurso material de crimes (critério do cúmulo material), teríamos o total de 27 anos ( 1ª + 2ª madrugada)

b)    Usando o critério do crime continuado nas duas madrugadas, o juiz, utilizaria somente a pena mais grave (16 anos e 4 meses), fazendo um acréscimo de 1/6 a 2/3, de modo que a pena final não fique superior à que ficaria pelo critério do concurso material. ( art 71, par. Único)
Ex de aumento no mínimo: 16 anos e 4 meses X 1/6 = 32 meses, ou seja, 2 anos e 8 meses, que devem ser acrescidos à pena inicial, totalizando  19 anos . (ficou melhor que os 27 anos do cúmulo material).
Ex de aumento no máximo: 16 anos e 4 meses x 2/3= 11 anos.  (16+11=27)
Total de 27 anos (ficou igual), logo, neste caso, não faria diferença entre o cúmulo material ou critério da exasperação. Se o juiz, mesmo entendendo pela continuidade delitiva, aplicasse o aumento máximo previsto no art 71 do CP, por coincidência, o resultado seria o mesmo.
Crime continuado
 Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.
Ocorre que o caso aqui tratado deve ser visto pelo ângulo do CONCURSO MATERIAL DE CRIMES. Isso porque, a maneira de execução do crime na 1ª madrugada não é idêntica à maneira de execução da 2ª madrugada, inclusive com sujeitos passivos distintos, impedindo, portanto, aplicação da regra do crime continuado. Na 1ª madrugada, os agentes visavam o explosivo, valendo-se de escalada e arrombamento para consegui-lo. O explosivo era o fim visado pelos agentes. Na segunda madrugada, o explosivo era meio para atingir um fim, que era o dinheiro contido nos caixas eletrônicos, portanto, não se pode dizer que a maneira de execução dos crimes eram semelhantes, Além do que, não se sabe se o lugar era o mesmo ou se eram próximos, embora o lapso temporal fosse pequeno entre uma madrugada e outra . Note-se ainda que, na primeira madrugada, não houve somente crimes da mesma espécie , haja vista que houve subtração de explosivo e posse de explosivos (previsto inclusive em  diploma legal diverso) .

Obs: eu ainda poderia “piorar” o caso, dizendo que os meliantes subtraíram um carro para fuga, visando conduzi-lo até um país fronteiriço com o Brasil, incidindo mais uma hipótese de qualificadora no furto, mas...tá bom né? Já deu pra entender. (rs)