Recentemente, a Lei nº
13.654/18, acrescentou dispositivos no Código Penal, incriminando com maior
rigor, o furto (e o roubo) de substância explosiva, bem como punição mais
severa pela prática de tais delitos patrimoniais , valendo-se o(s) agente (s) de explosivos ou artefatos análogos.
Como o dispositivo legal
trouxe o explosivo ora como meio empregado para a prática do crime, ora como
objeto, é de se notar que é possível que um mesmo agente (ou grupo), pratique
os dois delitos, ainda que dentro de um mesmo contexto: furto de explosivo e
furto mediante o uso do explosivo furtado.
Analisemos este contexto..
O furto , delito patrimonial
previsto no art 155 do Código Penal, tem:
1 majorante- quando praticado
durante o repouso noturno.
4 qualificadoras, cuja pena
pode variar entre 2 e 8 anos.
2 qualificadoras, cuja pena
pode variar entre 4 e 10 anos. É o caso
de quem emprega explosivo ou artefato análogo que cause perigo comum OU de quem subtrai substâncias explosivas ou acessório que permita fabricação do explosivo.
1 qualificadora,
cuja pena pode variar entre 3 e 8 anos, para o caso de subtração
de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o
exterior.
1 qualificadora,
cuja pena pode variar entre 2 a 5 anos, se a subtração for de semovente
domesticável de produção.
Assim, percebe-se
que o crime de furto tem 8 (oito) qualificadoras.
A questão que
pode suscitar dúvidas é quanto ao concurso de mais de uma qualificadora, que
apresentem penas base diferentes. Um
exemplo:
É possível que 3
pessoas, na calada da noite, mediante arrombamento de um portão e escalada de
um muro alto, ingressem numa fábrica de explosivos e dali subtraiam grande
quantidade de explosivos. Na madrugada seguinte, o mesmo grupo, agora
valendo-se dos explosivos furtados, o empreguem em dois caixas eletrônicos,
localizados no interior de uma agência bancária, conseguindo êxito na explosão
dos equipamentos e subtração de elevada quantia em dinheiro. Indaga-se, como
tipificar tais condutas, haja vista que as qualificadoras apresentadas tem
penas diferentes e ainda que apresentem penas base idênticas, como poderíamos proceder?
No caso dado,
temos:
Na 1ª madrugada:
Furto
qualificado: (com pena entre 2 e 8 anos) – art 155, § 4º
a)
Pelo concurso de agentes (3
pessoas)
b)
Pela escalada (saltaram um alto
muro)
c)
Pelo rompimento de obstáculo (arrombaram
o portão)
+
Furto qualificado
(com pena entre 4 e 10 anos), pela subtração dos explosivos- art 155, §7º
+
Majorante do
repouso noturno- art 155, §1º
+
O exemplo dado ainda traz
mais um fator complicador, pois o art. 16, inciso III, da Lei 10.826/03 tipifica a posse, a detenção, a
fabricação e o emprego de artefato
explosivo ou incendiário sem autorização ou em desacordo com determinação
legal ou regulamentar, cuja pena é de reclusão de 3 a 6 anos e multa, o
que nos faz indagar a respeito da caracterização do concurso de delitos ou
aplicação do princípio da consunção. (obs: aqui, temos, segundo a doutrina
majoritária, um crime hediondo, pois, com o advento da Lei nº 13.497/17, não só a posse de arma de fogo de
uso restrito , como todos os demais
incisos previstos no art 16, se tornaram crimes hediondos). A mesma doutrina assevera que não é possível
que um crime hediondo- porte de explosivo-
seja absorvido por um outro crime que
não seja hediondo - furto qualificado de
substância explosiva-. Ademais, são condutas diversas, com sujeitos
passivos diversos, tornando assim, inevitável, o concurso material de crimes.
Na 2ª madrugada:
Furto
qualificado: ( 2 a 8 anos) – art 155, §4º
a)
Pelo concurso de agentes (3
pessoas)
b)
Pelo rompimento de obstáculo
(pois arrombaram os caixas eletrônicos)
+
Furto qualificado
(com pena entre 4 e 10 anos),por terem feito uso do explosivo na agência
bancária. (tinham a opção de arrombarem os caixas por outros meios , mas
valeram-se de explosivos). – art 155, § 4º-A.
+
Majorante do
repouso noturno- art 155, §1º
Resolução
Na 1ª madrugada:
Aqui, como
existem 2 blocos de qualificadoras ( 2 a 8 anos) e ( 4 a 10anos), o juiz pode
se valer da qualificadora mais grave, desprezando a outra. ( 2 a 8 anos) +
( 4 a 10 anos)
Faço aqui uma
interpretação extensiva (e benéfica ao réu), valendo-me do art 68 do CP que
trata do concurso de majorantes, mas que é possível aplicar no caso de concurso
de qualificadoras.
Art
68, Parágrafo único - No concurso de causas de aumento ou de diminuição
previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só
diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua.
Portanto, o juiz
utiliza a pena entre 4 e 10 anos, como
marco inicial de dosimetria de pena. No entanto, ao analisar as circunstâncias
do crime, levará em conta os 3 fatores que integravam a 1ª qualificadora (
concurso de pessoas, escalada e rompimento de obstáculo), (afinal, isso não
pode ser desprezado), podendo assim, utilizar tais elementos para aumentar a
quantidade de pena entre 4 e 10 anos. O valor do aumento fica a critério de
cada juiz.
Ex: pode ser que
o juiz inicie a dosimetria da pena, valendo-se de 4 anos, ante o furto do
explosivo, e depois, adicione mais 2 anos, pelo concurso de agentes, mais 2
anos, pelo rompimento de obstáculo e mais 2 anos, pela escalada, totalizando 10
anos. Ao final, ele acrescenta 1/3 em cima deste número alcançado, em face do
repouso noturno (majorante) . Ou seja, 10anos x 1/3= 3 anos e 4 meses;
adicione-se + 3 anos (pena mínima) para
o delito de porte de explosivos (lei 10826/03) (se liga na matemática!) – total
da brincadeira, só na 1ª madrugada=
16 anos e 4 meses (sem contar eventuais agravantes).
Na 2ª madrugada,
usamos o mesmo raciocínio, no entanto, entendo que ao fazerem uso do explosivo,
não resta absorvida a qualificadora do rompimento de obstáculo. Isso porque o
simples fato de utilizarem explosivo, já qualifica o crime, independentemente
de se romper ou não o obstáculo ( aliás, o obstáculo poderia ter sido rompido
por qualquer outro meio que não fosse o explosivo, daí porque subsistem as 2
qualificadoras).
Utilizando-se o
mesmo critério, o juiz, desprezando o 1º bloco de qualificadora ( concurso de
agentes e rompimento de obstáculo, com pena de 2 a 8 anos), pode começar com 4 anos, pela
utilização do explosivo e acrescentar mais 2 anos, ante o concurso de agentes,
e mais 2 pelo rompimento de obstáculo,
totalizando 8 anos. Acrescente-se mais 1/3 a este número, em face do
repouso noturno, ou seja, 8 x 1/3= 2
anos e 8 meses . Logo, o resultado aqui seria de 10 anos e 8 meses .
A outra questão
que se apresenta agora é:
a)
Temos 16 anos e 4 meses, na 1ª
madrugada
b)
Temos 10 anos e 8 meses, na 2ª madrugada.
Indaga-se: o
juiz deve somar estas penas, ou pode se valer da regra do art 71 do CP (crime
continuado)? Afinal, temos aqui crimes da mesma espécie (?)
a)
Usando-se o critério do concurso material de crimes (critério
do cúmulo material), teríamos o total de
27 anos ( 1ª + 2ª madrugada)
b)
Usando o critério do crime continuado nas duas madrugadas, o
juiz, utilizaria somente a pena mais grave (16 anos e 4 meses), fazendo um
acréscimo de 1/6 a 2/3, de modo que a pena final não fique superior à que
ficaria pelo critério do concurso material. ( art 71, par. Único)
Ex de aumento no
mínimo: 16 anos e 4 meses X 1/6 = 32 meses, ou seja, 2 anos e 8 meses, que
devem ser acrescidos à pena inicial, totalizando 19
anos . (ficou melhor que os 27 anos do cúmulo material).
Ex de aumento no
máximo: 16 anos e 4 meses x 2/3= 11 anos. (16+11=27)
Total de 27 anos (ficou igual), logo, neste
caso, não faria diferença entre o cúmulo material ou critério da exasperação. Se
o juiz, mesmo entendendo pela continuidade delitiva, aplicasse o aumento máximo
previsto no art 71 do CP, por coincidência, o resultado seria o mesmo.
Crime continuado
Art. 71 - Quando
o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas
condições de tempo, lugar, maneira de
execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como
continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se
idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.
Ocorre que o
caso aqui tratado deve ser visto pelo ângulo do CONCURSO MATERIAL DE CRIMES.
Isso porque, a maneira de execução do crime na 1ª madrugada não é idêntica à
maneira de execução da 2ª madrugada, inclusive com sujeitos passivos distintos,
impedindo, portanto, aplicação da regra do crime continuado. Na 1ª madrugada,
os agentes visavam o explosivo, valendo-se de escalada e arrombamento para
consegui-lo. O explosivo era o fim
visado pelos agentes. Na segunda madrugada, o explosivo era meio para atingir um fim, que era o dinheiro contido nos caixas
eletrônicos, portanto, não se pode dizer que a maneira de execução dos crimes
eram semelhantes, Além do que, não se sabe se o lugar era o mesmo ou se eram
próximos, embora o lapso temporal fosse pequeno entre uma madrugada e outra . Note-se
ainda que, na primeira madrugada, não houve somente crimes da mesma espécie ,
haja vista que houve subtração de explosivo e posse de explosivos (previsto
inclusive em diploma legal diverso) .
Obs: eu ainda
poderia “piorar” o caso, dizendo que os meliantes subtraíram um carro para
fuga, visando conduzi-lo até um país fronteiriço com o Brasil, incidindo mais
uma hipótese de qualificadora no furto, mas...tá bom né? Já deu pra entender.
(rs)