SISTEMA PRISIONAL
BRASILEIRO E A REVISTA ÍNTIMA
A
revista íntima é permitida em pessoas que pretendem visitar parentes presos?
Se
a revista íntima for proibida, incide em crime o agente estatal que procede à
tal revista?
E
se durante a revista pessoal, é encontrado com o revistado(a) aparelho celular
destinado a ingresso no presídio, sem autorização legal, existe crime?
Os
Estados da federação podem legislar sobre o tema, inclusive criminalizando a
conduta do agente carcerário que realiza a revista íntima?
Para
responder a estas questões, você precisará:
1)
da CF/88
2)
da lei 10792/03
3)
da lei 13271/16
4)
da Resolução nº05/14, do CNPCP
5)
do Código Penal
Vamos
aos tópicos:
1)
a CF/88, em seu art 1º, III traz como fundamento da República Federativa do
Brasil, a dignidade da pessoa humana. No art 5º, inciso X , traz a
inviolabilidade da intimidade da pessoas, inclusive permitindo a busca de
indenização pelo dano moral decorrente de sua violação.
2)
A Lei nº 10792/03, em seu art 3º, assevera que “ Os estabelecimentos penitenciários disporão de aparelho detector de
metais, aos quais devem se submeter todos
que queiram ter acesso ao referido estabelecimento, ainda que exerçam
qualquer cargo ou função pública”.
3)
a Lei nº 13271/16, proíbe qualquer forma de revista íntima em mulheres. Aqui uma observação: tal lei trata somente de
“funcionárias” e “clientes do sexo feminino” de empresas privadas e órgãos
da administração direta ou indireta, portanto, sem aplicação ao sistema
prisional, uma vez que as visitantes de presos em unidade prisional não são
clientes e nem funcionárias. A pena para o empregador é de R$
20.000,00 revertidos aos órgãos de
proteção à mulher. Ou seja, a vítima do abuso deve buscar a Justiça através
de ação de indenização por danos morais.
Imaginemos
uma “cliente” que entra numa loja de bijuterias e subtrai uma joia,
escondendo-a nas partes íntimas. Na saída da loja, o sistema de alarme é
disparado. E aí? Como deve proceder o
lojista? Está proibida a revista íntima, logo, deve-se conduzir a referida pessoa
ao provador e solicitar à mesma que retire das partes íntimas o produto
subtraído e faça a devolução, sem, porém, submetê-la à revista íntima.
(difícil, não?) (obs: aqui, existe o crime de furto tentado, pois o objeto ainda
não saiu da esfera de vigilância da vítima. O STJ, STF, além de farta doutrina,
já se manifestaram no sentido de que, mesmo havendo sistema de vigilância
eletrônica na loja, não é hipótese de crime impossível)
E
se, em vez de uma “cliente”, estivéssemos diante de uma pessoa do sexo
masculino? Observe que a lei 13271/16 só
protegeu a intimidade das mulheres, não dos homens. Afinal, homem (cliente de
uma loja ou funcionário de uma fábrica) , não tem assegurado pela CF/88, a
inviolabilidade de sua intimidade? Resposta: SIM. Este poderá ingressar com
ação indenizatória, no entanto, ao lojista ou dono de uma fábrica, não será
imposta a referida multa de R$ 20.000,00, porque a lei só tratou da revista
íntima em mulheres.
Veja
art 1º da referida lei: “As empresas privadas, os órgãos e entidades da
administração pública, direta e indireta, ficam proibidos de adotar qualquer
prática de revista íntima de suas funcionárias e de clientes do sexo feminino”.
Imaginemos uma fábrica com 500 funcionários, sendo 250 homens e
250 mulheres. Pela letra da lei, é proibido revista íntima nas funcionárias,
sob pena de multa de R$20.000,00, além
da funcionária que se sentir ofendida poder buscar indenização na Justiça por
danos morais. E quanto aos funcionários do sexo masculino? Também podem buscar
indenização, mas a fábrica não pagará a multa de R$ 20.000,00 previstas em lei.
o
artigo 3º desta lei, que se referia ao sistema prisional, foi VETADO pela
Presidente da República, pois nada dispunha sobre a revista íntima. Veja a redação: “Nos
casos previstos em lei, para revistas em ambientes prisionais e sob investigação policial, a revista será
unicamente realizada por funcionários servidores femininos”.
Assim,
o Congresso Nacional perdeu uma ótima oportunidade de legislar sobre o tema na
esfera do sistema prisional.
4) por fim, e de suma importância, tem-se a resolução nº 05 de 28/08/14,
do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, que traz , em seus
arts 1º, parágrafo único e 2º, as seguintes disposições:
Art
1º(...)
parágrafo único. A revista pessoal deverá ocorrer mediante uso de
equipamentos eletrônicos detectores de
metais, aparelhos de
raios-x, scanner corporal,
dentre outras tecnologias e
equipamentos de segurança
capazes de identificar
armas, explosivos, drogas ou
outros objetos ilícitos,
ou, excepcionalmente, de forma manual.
Art. 2º. São vedadas quaisquer formas
de revista vexatória,
desumana ou degradante.
Parágrafo único.
Consideram-se, dentre outras, formas
de revista vexatória, desumana ou degradante:
I
– desnudamento parcial ou total;
II
– qualquer conduta que implique a introdução de objetos nas cavidades
corporais da pessoa revistada;
III
– uso de cães ou animais farejadores, ainda que
treinados para esse fim;
IV
– agachamento ou saltos.
Art. 4º.
A revista pessoal
em crianças e adolescentes deve
ser precedida de autorização expressa
de seu representante legal
e somente será
realizada na presença deste.
Cumpre
lembrar que tais dispositivos trazidos pela presente resolução são apenas recomendações, servem de
orientação. Não é lei emanada do
Congresso Nacional.
Assim,
conclui-se que revistas íntimas em
presídios são proibidas. A revista pessoal,
especialmente em mulheres, inclusive de forma manual, é possível. No entanto,
tais condutas não devem ser confundidas com a revista íntima, vexatória,
humilhante. Se houver suspeitas de que uma visitante traz drogas ou aparelho
celular, por exemplo, em suas partes íntimas, o recurso tecnológico deve ser
capaz de detectar os objetos ilicitamente conduzidos. Mas a inserção de dedos,
objetos ou manipulação em partes íntimas das pessoas, determinar agachamento,
saltos, desnudamento, como visto até aqui, não serão admitidos.
Se a revista íntima for
proibida, incide em crime o agente estatal que procede à tal revista?
Como
visto até aqui, não há LEI específica incriminando tal conduta. Não custa
lembrar que tanto a CF/88, quanto o Código Penal, asseveram que não há crime
sem uma LEI anterior que o defina.
Veja
que a resolução nº 05, como dito, tem força de recomendação, logo, tal
resolução não pode incriminar condutas. Quando muito, o agente, ao violar essa
resolução, poderia responder na esfera administrativa.
No
entanto, se
entendermos que o agente estatal, ao proceder à revista íntima, estaria
atentando contra a incolumidade física do revistado (a), seria possível
que tal conduta fosse tipificada como crime de abuso de autoridade previsto no
art 3º da lei nº 4898/65.
E se durante a revista
pessoal, é encontrado com o revistado (a) aparelho celular destinado a ingresso
no presídio, sem autorização legal, existe crime?
Aqui,
a resposta é afirmativa. Todo aquele que conduz aparelho celular ou similar
para dentro do presídio sem autorização legal incide em crime previsto no
artigo 349-A do Código Penal, ainda que seja um familiar do detento. O processo
e julgamento dar-se-á no Juizado Especial Criminal, haja vista ser considerado
delito de menor potencial ofensivo.
Art.
349-A. Ingressar, promover, intermediar, auxiliar ou facilitar a entrada
de aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar, sem
autorização legal, em estabelecimento prisional. (Incluído pela Lei nº 12.012, de 2009).
Pena: detenção, de 3 (três) meses a 1 (um)
ano.
Aqui,
o legislador foi econômico nas palavras, dizendo menos do que deveria, pois
sabe-se que diversos outros objetos são conduzidos para o interior de presídios
no intuito de facilitação de fuga de presos ou mesmo para seu mero deleite. Ex:
faca, punhal, canivete, serra, drogas, álcool, cartão pré-pago, etc.
Infelizmente,
por ser norma penal, não se pode fazer uso da analogia (in mala partem), sob pena
de infração ao princípio da legalidade. Também não é possível interpretação
extensiva porque não se parte de uma premissa lógica onde o legislador diz
menos que deveria, exemplifico: bigamia é crime? Sim. Ocorre quando pessoa
casada contrai novo casamento. Indago:
E se a pessoa contrai novos casamentos,
também é crime? Lógico! (eis aqui um caso de interpretação extensiva, pois,
embora o legislador tenha utilizado a expressão “novo”, não fere o princípio da
legalidade o emprego da expressão “novos”, pois o intérprete pode alargar o
alcance da norma sem implosão do tipo legal ). Logo, voltando ao nosso caso, deve-se
verificar o tipo de infração praticada, quando alguém leva objetos para dentro
do presídio. Ex: quem conduz drogas para o interior do presídio responderá por
crime de tráfico de drogas, previsto na lei 11343/06 e assim por diante.
Os Estados da federação
podem legislar sobre o tema, inclusive criminalizando a conduta do agente
carcerário que realiza a revista íntima?
Os
Estados da federação podem sim legislar sobre a matéria, tanto que o fizeram. O
art 24, I da CF/88 permite que os Estados legislem sobre direito penitenciário.
Cite-se como exemplo, a lei nº 15552 do
Estado de São Paulo, que dispõe sobre a proibição de revista íntima nos
presídios, além de outros Estados que trataram da matéria via lei ordinária
estadual. No entanto, não lhes é possível criminalizar a conduta do agente
que realiza a revista íntima porque, segundo a CF/88,art 22, I compete
privativamente à União, legislar sobre Direito Penal, salvo se uma Lei
Complementar do Congresso Nacional, autorizasse o Estado a legislar sobre essa
questão específica, consoante o parágrafo único do mesmo artigo, o que não foi
o caso.