terça-feira, 28 de junho de 2016

SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A REVISTA ÍNTIMA



SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A  REVISTA ÍNTIMA
A revista íntima é permitida em pessoas que pretendem visitar parentes presos?
Se a revista íntima for proibida, incide em crime o agente estatal que procede à tal revista?
E se durante a revista pessoal, é encontrado com o revistado(a) aparelho celular destinado a ingresso no presídio, sem autorização legal, existe crime? 
Os Estados da federação podem legislar sobre o tema, inclusive criminalizando a conduta do agente carcerário que realiza a revista íntima?
Para responder a estas questões, você precisará:
1) da CF/88
2) da lei 10792/03
3) da lei 13271/16
4) da Resolução nº05/14, do CNPCP
5) do Código Penal
Vamos aos tópicos:
1) a CF/88, em seu art 1º, III traz como fundamento da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana. No art 5º, inciso X , traz a inviolabilidade da intimidade da pessoas, inclusive permitindo a busca de indenização pelo dano moral decorrente de sua violação.
2) A Lei nº 10792/03, em seu art 3º, assevera que “ Os estabelecimentos penitenciários disporão de aparelho detector de metais, aos quais devem se submeter todos que queiram ter acesso ao referido estabelecimento, ainda que exerçam qualquer cargo ou função pública”.
3) a Lei nº 13271/16, proíbe qualquer forma de revista íntima em mulheres. Aqui uma observação: tal lei trata somente de “funcionárias” e “clientes do sexo feminino” de empresas privadas e órgãos da administração direta ou indireta, portanto, sem aplicação ao sistema prisional, uma vez que as visitantes de presos em unidade prisional não são clientes e nem funcionárias. A pena para o empregador é de R$ 20.000,00  revertidos aos órgãos de proteção à mulher. Ou seja, a vítima do abuso deve buscar a Justiça através de ação de indenização por danos morais.
Imaginemos uma “cliente” que entra numa loja de bijuterias e subtrai uma joia, escondendo-a nas partes íntimas. Na saída da loja, o sistema de alarme é disparado. E aí? Como deve proceder  o lojista? Está proibida a revista íntima, logo, deve-se conduzir a referida pessoa ao provador e solicitar à mesma que retire das partes íntimas o produto subtraído e faça a devolução, sem, porém, submetê-la à revista íntima. (difícil, não?) (obs: aqui, existe o crime de furto tentado, pois o objeto ainda não saiu da esfera de vigilância da vítima. O STJ, STF, além de farta doutrina, já se manifestaram no sentido de que, mesmo havendo sistema de vigilância eletrônica na loja, não é hipótese de crime impossível)
E se, em vez de uma “cliente”, estivéssemos diante de uma pessoa do sexo masculino?  Observe que a lei 13271/16 só protegeu a intimidade das mulheres, não dos homens. Afinal, homem (cliente de uma loja ou funcionário de uma fábrica) , não tem assegurado pela CF/88, a inviolabilidade de sua intimidade? Resposta: SIM. Este poderá ingressar com ação indenizatória, no entanto, ao lojista ou dono de uma fábrica, não será imposta a referida multa de R$ 20.000,00, porque a lei só tratou da revista íntima em mulheres.
Veja art 1º da referida lei: “As empresas privadas, os órgãos e entidades da administração pública, direta e indireta, ficam proibidos de adotar qualquer prática de revista íntima de suas funcionárias e de clientes do sexo feminino”.
Imaginemos uma fábrica com 500 funcionários, sendo 250 homens e 250 mulheres. Pela letra da lei, é proibido revista íntima nas funcionárias, sob  pena de multa de R$20.000,00, além da funcionária que se sentir ofendida poder buscar indenização na Justiça por danos morais. E quanto aos funcionários do sexo masculino? Também podem buscar indenização, mas a fábrica não pagará a multa de R$ 20.000,00 previstas em lei.
o artigo 3º desta lei, que se referia ao sistema prisional, foi VETADO pela Presidente da República, pois nada dispunha sobre a revista íntima. Veja a redação: “Nos casos previstos em lei, para revistas em ambientes prisionais e sob  investigação policial, a revista será unicamente realizada por funcionários servidores femininos”.
Assim, o Congresso Nacional perdeu uma ótima oportunidade de legislar sobre o tema na esfera do sistema prisional.
4) por fim, e de suma importância, tem-se a resolução nº 05 de 28/08/14, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, que traz , em seus arts 1º, parágrafo único e 2º, as seguintes disposições:
Art 1º(...)
parágrafo único. A revista pessoal deverá  ocorrer mediante  uso  de equipamentos eletrônicos   detectores   de   metais,   aparelhos   de   raios-x,   scanner   corporal,   dentre outras   tecnologias   e   equipamentos   de   segurança   capazes   de   identificar   armas, explosivos,   drogas   ou   outros   objetos   ilícitos,   ou,  excepcionalmente,   de   forma manual.
Art. 2º.   São vedadas quaisquer  formas  de   revista   vexatória,   desumana   ou  degradante.
Parágrafo  único.   Consideram-se, dentre  outras,   formas   de   revista   vexatória, desumana ou degradante:
I – desnudamento parcial ou total;
II – qualquer conduta que implique a introdução de objetos nas cavidades corporais  da pessoa revistada;
III – uso de cães ou animais farejadores, ainda que  treinados para esse fim;
IV – agachamento ou saltos.
Art.  4º.  A  revista  pessoal   em   crianças   e   adolescentes   deve   ser   precedida   de autorização   expressa   de   seu   representante   legal   e   somente   será   realizada   na presença deste.
Cumpre lembrar que tais dispositivos trazidos pela presente resolução são apenas recomendações, servem de orientação. Não é  lei emanada do Congresso Nacional.
Assim, conclui-se que revistas íntimas em presídios são proibidas. A revista pessoal, especialmente em mulheres, inclusive de forma manual, é possível. No entanto, tais condutas não devem ser confundidas com a revista íntima, vexatória, humilhante. Se houver suspeitas de que uma visitante traz drogas ou aparelho celular, por exemplo, em suas partes íntimas, o recurso tecnológico deve ser capaz de detectar os objetos ilicitamente conduzidos. Mas a inserção de dedos, objetos ou manipulação em partes íntimas das pessoas, determinar agachamento, saltos, desnudamento, como visto até aqui, não serão admitidos.
Se a revista íntima for proibida, incide em crime o agente estatal que procede à tal revista?
Como visto até aqui, não há LEI específica incriminando tal conduta. Não custa lembrar que tanto a CF/88, quanto o Código Penal, asseveram que não há crime sem uma LEI anterior que o defina.
Veja que a resolução nº 05, como dito, tem força de recomendação, logo, tal resolução não pode incriminar condutas. Quando muito, o agente, ao violar essa resolução, poderia responder na esfera administrativa.
No entanto, se entendermos que o agente estatal, ao proceder à revista íntima, estaria atentando contra a incolumidade física do revistado (a), seria possível que tal conduta fosse tipificada como crime de abuso de autoridade previsto no art 3º da lei nº 4898/65.   
E se durante a revista pessoal, é encontrado com o revistado (a) aparelho celular destinado a ingresso no presídio, sem autorização legal, existe crime? 
Aqui, a resposta é afirmativa. Todo aquele que conduz aparelho celular ou similar para dentro do presídio sem autorização legal incide em crime previsto no artigo 349-A do Código Penal, ainda que seja um familiar do detento. O processo e julgamento dar-se-á no Juizado Especial Criminal, haja vista ser considerado delito de menor potencial ofensivo.
Art. 349-A.  Ingressar, promover, intermediar, auxiliar ou facilitar a entrada de aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar, sem autorização legal, em estabelecimento prisional. (Incluído pela Lei nº 12.012, de 2009).
 Pena: detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.
Aqui, o legislador foi econômico nas palavras, dizendo menos do que deveria, pois sabe-se que diversos outros objetos são conduzidos para o interior de presídios no intuito de facilitação de fuga de presos ou mesmo para seu mero deleite. Ex: faca, punhal, canivete, serra, drogas, álcool, cartão pré-pago, etc.
Infelizmente, por ser norma penal, não se pode fazer uso da analogia (in mala partem),  sob  pena de infração ao princípio da legalidade. Também não é possível interpretação extensiva porque não se parte de uma premissa lógica onde o legislador diz menos que deveria, exemplifico: bigamia é crime? Sim. Ocorre quando pessoa casada contrai novo casamento. Indago: E se a pessoa contrai novos casamentos, também é crime? Lógico! (eis aqui um caso de interpretação extensiva, pois, embora o legislador tenha utilizado a expressão “novo”, não fere o princípio da legalidade o emprego da expressão “novos”, pois o intérprete pode alargar o alcance da norma sem implosão do tipo legal ). Logo, voltando ao nosso caso, deve-se verificar o tipo de infração praticada, quando alguém leva objetos para dentro do presídio. Ex: quem conduz drogas para o interior do presídio responderá por crime de tráfico de drogas, previsto na lei 11343/06 e assim por diante.
Os Estados da federação podem legislar sobre o tema, inclusive criminalizando a conduta do agente carcerário que realiza a revista íntima?
Os Estados da federação podem sim legislar sobre a matéria, tanto que o fizeram. O art 24, I da CF/88 permite que os Estados legislem sobre direito penitenciário.  Cite-se como exemplo, a lei nº 15552 do Estado de São Paulo, que dispõe sobre a proibição de revista íntima nos presídios, além de outros Estados que trataram da matéria via lei ordinária estadual. No entanto, não lhes é possível criminalizar a conduta do agente que realiza a revista íntima porque, segundo a CF/88,art 22, I compete privativamente à União, legislar sobre Direito Penal, salvo se uma Lei Complementar do Congresso Nacional, autorizasse o Estado a legislar sobre essa questão específica, consoante o parágrafo único do mesmo artigo, o que não foi o caso.

terça-feira, 15 de março de 2016

O limite entre atos preparatórios e atos executórios para aplicação do art 14 do CP



além da situação exposta no inusitado vídeo , vejam essa interessante questão cobrada no último concurso da Defensoria Pública do RN:

Ano: 2015  Banca: CESPE Órgão: DPE-RN Prova: Defensor Público Substituto
(questão desmembrada)
No que tange ao  iter criminis,  analise o item e assinale (C)  para certo ou ( E) para errado,   à luz da legislação e jurisprudência do STJ. (grifos do professor)
Situação hipotética: Lino e Vítor, mediante complexa logística, escavaram por dois meses um túnel de setenta metros entre um imóvel que adquiriram e o cofre de uma instituição bancária que pretendiam furtar, cessando a empreitada em decorrência de prisão em flagrante, quando estavam a doze metros do ponto externo do banco. Assertiva: Nesse contexto, Lino e Vítor colocaram em risco o bem jurídico tutelado e praticaram atos executórios do crime de furto qualificado.
Certo (    ) errado (    )
Gabarito: Certo.

Afinal, escavar um túnel, visando chegar ao cofre de uma instituição bancária, é um ato preparatório para o crime de furto, ou já constitui início da execução deste crime? Já podemos dizer que está iniciada a subtração com o ato de escavação de um túnel, que , por circunstâncias alheias à vontade dos agentes, ficou a 12  metros distante do bem jurídico tutelado? E se o túnel desabasse, faltando , por exemplo, 1 metro para o alcance do objetivo? Ainda assim, teríamos um furto tentado ou apenas atos preparatórios para execução do delito?

Comentários:
Como de praxe, a banca CESPE  se vale de julgados (mesmo que isolados), do STF e do STJ, em grande parte de suas questões para defensoria, MP, magistratura, procuradoria, etc.
Neste caso, a banca se valeu de um julgado do STJ de março de 2015.
Inicialmente, analisemos a doutrina acerca do tema:

Todo crime passa por um caminho, desde o momento de sua cogitação até a fase de consumação. É o chamado iter criminis.
Inicialmente, o agente cogita, ou seja, pensa em como vai proceder a fim de que sua conduta delituosa tenha êxito. Na sequência, prepara os meios que empregará para alcançar seus objetivos. Depois, executa (pratica) o ato delitivo e aguarda sua consumação (resultado). Nos crimes formais, temos ainda a fase do exaurimento que, para doutrina majoritária, não é fase do iter criminis. (ex: corrupção passiva, onde o crime se consuma no exato momento em que o funcionário público, por exemplo, solicita vantagem indevida, pouco importando, para efeito de tipificação, se alcançará ou não este resultado, ou seja , se o seu pedido será ou não atendido. se for atendido, teremos o exaurimento do crime, que já se consumara quando houve o pedido de vantagem, por parte do funcionário público).

O Direito Penal não se preocupa com a fase da mera cogitação e, pela doutrina tradicional, a fase de preparação segue o mesmo compasso, salvo quando o ato preparatório já constitui uma infração penal tipificada em lei (crimes-obstáculo) . Importa saber, para efeito de responsabilização criminal, o momento em que o agente inicia a execução do crime, daí porque o artigo 14 do Código Penal assim aduz:
Art. 14 - Diz-se o crime:
I- (...)
II - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.


Ou seja, quem tenta matar alguém, e não consegue, por circunstâncias alheias à sua vontade responde como se o crime tivesse sido consumado (homicídio), mas com a pena reduzida entre 1/3 e 2/3 (art 14, parágrafo único do CP) , daí porque tal instituto constitui-se numa causa geral de redução de pena (minorante), aplicada pelo magistrado somente na 3ª fase de aplicação da pena.

Art 14(..)

(...)

Parágrafo único - Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços.   


A questão é : em que momento pode-se afirmar que foi “iniciada” a execução do crime, com vistas à aplicação do art 14, II do CP? Qual o momento em que podemos afirmar que o agente esgotou a fase de preparação do crime e ingressou na fase executória?
Questão delicada. A linha é extremamente tênue. Doutrina e jurisprudência divergem. 

Existem  teorias que tentam diferenciar os atos preparatórios e o início dos atos executórios. As principais são:

a) TEORIA SUBJETIVA- existe tentativa quando o agente, manifesta sua intenção, de modo  inequívoco, de exteriorizar sua conduta  no sentido de atacar o bem jurídico. A teoria prima pela mera "intenção", "vontade" do agente.
Problema : se alguém é detido por tentativa de furto ao ser surpreendido dentro de uma casa ou mesmo preso a uma chaminé quando tentava ingressar em domicílio alheio, é de se indagar: o que ele furtou? O que iria furtar? E se o objeto que ele subtraísse fosse de pequeno ou ínfimo valor? (aplicação do princípio da insignificância). A escavação do túnel, na questão em comento, não poderia ser interrompida voluntariamente pelo(s) agente(s)? O postar-se à espera da vítima, numa emboscada, não pode ser interrompido por vontade própria do agente?
O sujeito em estado de espera (tocaia) , não poderia se arrepender e desistir do intento de atacar a vítima? Como provar a “inequívoca” vontade de atacar o bem jurídico?
Cumpre trazer à baila o instituto da desistência voluntária (art 15 do CP) , onde o agente, mesmo após iniciada a execução do crime, ingressa no núcleo do tipo, mas de forma voluntária (não precisa ser espontânea), desiste de prosseguir na execução, respondendo apenas pelo que já praticara até então. Qual a finalidade do instituto? Afastar a aplicação da tentativa. Veja que o legislador afastou a tentativa mesmo tendo o agente iniciado a execução do crime. Como então aplicar a tentativa para aquele que sequer a iniciou?  Nosso legislador foi além, com o instituto do arrependimento eficaz, onde o agente que JÁ TERMINOU  de executar o ato, mas, impedindo que o resultado se produza, responde apenas pelo que já fizera anteriormente, tudo com o escopo de não aplicar o art 14 do CP.
Cite-se como Exemplo: Xisto atira, com animus necandi (intenção de matar), em direção a Argônio, atingindo-o, mas, após a execução do ato, se arrepende e leva a vítima ao hospital, que sobrevive, após delicada cirurgia. Veja, neste caso, em vez de responder por tentativa de homicídio, o legislador lhe concede uma “ponte de ouro”, só respondendo por lesão corporal, haja vista que, de forma voluntária, impediu que o resultado morte ocorresse. Como então aplicar a tentativa àquele que SEQUER INICIOU o ato constitutivo do núcleo do tipo, pois, por exemplo, ficou preso a uma chaminé, ao tentar ingressar numa residência ou que iniciara escavação de túnel, mas ficou longe de seu objetivo, que era chegar a um cofre?

b)  TEORIA OBJETIVA- os atos executórios dependem do início da realização do tipo penal.
Essa teoria, por ser muito abrangente, subdivide-se em outras. aqui, farei abordagem de apenas três delas, posto que reputo serem as mais interessantes:

     b.1) OBJETIVO-FORMAL -  (de Beling) – só existe a tentativa quando o agente pratica o verbo, o núcleo do tipo penal. ou seja quando exterioriza (teoria objetiva) sua vontade (teoria subjetiva) Ex: começou a atirar  (disparou o gatilho), começou a subtrair...
Ex: agente aciona o gatilho da arma, mas esta não dispara, em virtude de munição vencida, ou então, atira em direção à vítima, mas erra o alvo (tentativa branca ou incruenta) .
Para esta teoria, o “postar-se em tocaia”,  o “ ingresso numa casa pela chaminé”,  o “ pular um muro em direção a uma residência”, seriam meros atos preparatórios, pois embora tivesse intenções ilícitas,  ainda não iniciou a conduta descrita no tipo penal.
Aqui, ao contrário do que se pode supor, o agente não restaria impune nestes casos, haja vista aplicação do princípio da subsidiariedade. No primeiro caso acima configurado, responderia por ameaça e no segundo caso, por invasão de domicílio, afinal, ao se preparar para matar alguém, o agente já praticou ameaça (art 147 CP) . Ao se preparar para furtar uma residência, o agente já violara domicílio, conduta criminosa, prevista no art 150 do CP, além de possibilidade de responder também pelo crime de dano (art 163 CP).
É a posição ainda majoritária na doutrina e é a teoria adotada pelo Código Penal (art 14,II).

  b.2) OBJETIVO-MATERIAL- criada por Reinhart Frank, essa teoria afirma que os atos executórios não são apenas os que realizam o núcleo do tipo ou atacam o bem jurídico, mas também aqueles imediatamente anteriores ao início da ação típica, valendo-se o juiz do critério do terceiro observador, para ter certeza da punição.
De acordo com essa teoria, inicia-se a execução:

a) tanto com a realização do verbo do tipo (teoria objetivo-formal);

b) como também pelas condutas anteriores que, pela concepção natural ou experiência em comum, leve à conclusão de que o sujeito ativo tinha como objetivo a realização do crime.

problema :  “concepção natural” ou “experiência em comum” de um terceiro observador é algo subjetivo, que pode levar a graves equívocos no campo do direito penal. Quando Xisto aponta uma arma para Argônio, a “concepção natural” ou “experiência em comum” é a de que quer matá-lo? E se queria apenas ferir? E se queria apenas ameaçar? Não se sabe. 

   b.3) OBJETIVO- INDIVIDUAL- essa teoria , criada por Hans Welzel, é defendida por José Henrique Pierangeli e Eugenio Raúl Zaffaroni. Nela, os atos executórios estão relacionados ao início da conduta típica e também os que lhe são imediatamente anteriores (até aqui coincide com a objetivo-material), mas tudo em conformidade com o plano concreto do autor. Aqui, não importa a visão do terceiro observador, mas sim o plano arquitetado pelo autor, com vistas à consumação do tipo penal.


Vejamos a posição do STJ, (POSIÇÃO COBRADA PELA BANCA CESPE NA QUESTÃO ACIMA POSTULADA) no julgamento do REsp 1252770/RS  - em 4/03/2015
(...)aspas:
8. A distinção entre atos preparatórios e executórios é tormentosa e exige uma conjugação de critérios, tendo como ponto de partida a teoria objetivo-formal, de Beling, associada a outros parâmetros subjetivos e objetivos (como a complementação sob a concepção natural, proposta por Hans Frank), para que, consoante o tirocínio do julgador, seja possível definir se, no caso concreto, foram exteriorizados atos tão próximos do início do tipo que, conforme o plano do autor, colocaram em risco  o bem jurídico tutelado.
 9. Tal solução é necessária para se distinguir o começo da execução do crime, descrito no art. 14, II, do CP e o começo de execução da ação típica. Quando o agente penetra no verbo nuclear, sem dúvida, pratica atos executórios. No entanto, comportamentos periféricos que, conforme o plano do autor, uma vez externados, evidenciam o risco relevante ao bem jurídico tutelado também caracterizam início da execução do crime.
10. Não houve violação do art. 14, II, do CP, pois os atos externados ultrapassaram meros atos de cogitação ou de preparação e expuseram a perigo real o bem jurídico protegido pela norma penal, inclusive com a execução da qualificadora do furto. Os recorrentes, mediante complexa logística, escavaram por dois meses um túnel de 70,30 metros entre o prédio que adquiriram e o cofre da instituição bancária, cessando a empreitada, em decorrência de prisão em flagrante, quando estavam a 12,80 metros do ponto externo do banco, contexto que evidencia, de forma segura, a prática de atos executórios.  (fecha aspas). ( grifos meus).

No caso em tela, o  STJ  aplicou a teoria objetivo-individual. Ou seja, entende que ao iniciar a escavação de um túnel, os agentes estariam, inequivocamente, se dirigindo ao resultado “subtração”, já colocando em risco, o bem jurídico tutelado. Como eu disse , solução difícil, pois, o início da execução de um furto é a “subtração” e não “escavação”. Nesta linha, se alguém é visto pulando um muro pra entrar em uma residência,
a) pela teoria objetivo-formal, até aqui  só houve atos preparatórios, respondendo somente pelo crime de violação de domicílio;
b) pela teoria objetivo-material, sob a ótica de um terceiro observador, inequivocamente, estaria entrando na residência para furtar.
c) pela teoria objetivo-individual, seria necessário mais alguns elementos para verificar se houve tentativa de furto. exemplo: provas dão conta de que o agente já vinha observando o movimento dos moradores há algum tempo, já tinha comentado com comparsas que iria praticar furto naquela residência, tinha fotos da casa, etc.

Observe o perigo de se confundir a teoria subjetiva com a objetivo-individual. Na primeira, existe tentativa quando o agente manifesta , por meio de atos inequívocos, sua mera intenção  de consumar o delito. ex: João briga com Pedro e vai em casa buscar uma faca dizendo que vai matá-lo. Por esta teoria (subjetiva), João já responderia por tentativa de homicídio, o que, convenhamos,  é demasiadamente precipitada, pois talvez João sequer encontrasse uma faca em sua casa e talvez isso o levasse a desistir de seu intento. Na teoria objetivo-individual, João teria que expor concretamente a vida ou integridade física de Pedro. Aqui, só haveria tentativa, se ele fosse impedido de agir quando a poucos metros de Pedro, já com a faca em punho, partindo em direção à vítima, com o escopo de matá-lo. E pasmem, para a teoria objetivo-formal (adotada pelo nosso CP), até aqui só houve ato preparatório, só havendo tentativa se João lançasse a faca em direção à vítima, ou a apunhalasse com o intuito de matá-la. 
Imaginemos alguém, que se pôs em tocaia e a polícia chegasse no momento em que ele estaria apontando a arma para sua vítima. E aí? A polícia espera o sujeito acionar o gatilho? (teoria objetivo-formal).
 Assim, as teorias básicas , que tentam diferenciar o limite entre o fim dos atos preparatórios e o início da execução (art. 14, II),  são a subjetiva e a objetivo-formal  (adotada pelo CP e doutrina) .  
Ocorre que, enquanto a teoria subjetiva é bastante precipitada, pois o bem jurídico sequer foi exposto a perigo, a teoria objetivo-formal expõe demasiadamente o bem jurídico a perigo. 
Daí porque a jurisprudência vem buscando o meio-termo. Foi o caso do julgado do STJ acima colacionado. Ora, se , por exemplo, alguém é flagrado arrombando um veículo no interior de um estacionamento de um shopping às 22h, não era necessário esperar que ele terminasse o arrombamento pra ver se ele iria subtrair o carro ou somente pertences da vítima que ali se encontravam. Responde pelo furto tentado, até porque, na visão do STJ, ele já iniciou a execução da circunstância qualificadora de um furto, qual seja, o rompimento de obstáculo ( art 155, §4º, I do CP).
Neste exemplo, tanto pela teoria objetivo-material, quanto pela teoria objetivo-individual, seria possível falar-se em crime tentado.  
Em conclusão:
1) para a maioria doutrinária e seguindo o art 14, II do CP, aplicando a teoria objetivo-formal :         o sujeito que ficou “entalado” na chaminé, bem como os meliantes que ficaram a 12 metros do cofre do banco, não responderiam por furto tentado, pois não houve sequer início da execução do tipo legal insculpido no art 155 do CP, ou seja, “subtrair”. Há que se procurar uma tipificação subsidiária e puni-los pelo que fizeram até então. (invasão de domicílio, ameaça, dano, etc).
Tal teoria prioriza o autor do fato e preza pela legalidade, deixando em segundo plano o bem jurídico tutelado.
2) para o STJ, aplicando a teoria objetivo-individual: ambos responderão por  furto qualificado tentado (a qualificadora é a escalada, tanto para o ingresso forçado pela chaminé quanto a escavação do túnel). Isso porque, segundo essa teoria, os fatos apontam que, inequivocamente, os agentes não só tinham intenção de subtrair bens como já iniciaram a execução do crime, ao colocarem em risco o bem jurídico tutelado pela norma penal.
Essa teoria prioriza o bem jurídico tutelado, contrariando o art 14, II do CP, deixando em segundo plano o autor do fato. (obs: veja que no julgado, o STJ toma como ponto de partida a teoria objetivo-formal, mas acrescenta outros elementos, como por exemplo, os planos do autor, o que conduz, inevitavelmente, à teoria objetivo-individual).
Pelo exposto, fácil verificar que a teoria subjetiva não encontra guarida nem na doutrina, nem na jurisprudência e muito menos em nosso CP. Portanto, se você vai se submeter a concurso público, opte sempre pela teoria objetiva em detrimento da teoria subjetiva (se a questão for genérica) . A controvérsia está entre a teoria objetivo-formal (doutrina e CP) e a objetivo-individual (jurisprudência). Mas veja que a questão de concurso acima veiculada, não indagou sobre qual o nome da teoria a ser aplicada. Em verdade, o examinador queria saber se o candidato conhecia a posição do STJ acerca do tema, trazendo inclusive o mesmo caso julgado pelo referido tribunal .
Mas atenção, veja que até aqui tratamos do tema " transição entre atos preparatórios e atos executórios". Não confundir com o tema " punibilidade da tentativa". No tocante a esse tema, deve-se olhar para o art 14, parágrafo único do CP, assentando que: " Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços". Aqui, também temos três teorias acerca do tema, onde trago à colação as duas principais: a) teoria subjetiva(monista) - a tentativa é punida com a mesma pena do crime consumado. exemplo: art 11 da lei 7170/83 (Lei de Segurança Nacional). O simples ato de "tentar" desmembrar o território nacional, será punido com pena de reclusão entre 4 e 12 anos. Daí porque o referido parágrafo único do CP assentou "salvo disposição em contrário". No entanto, a regra é que todo crime tentado tenha sua pena reduzida entre 1/3 e 2/3 em relação ao crime consumado. E aqui, entra a 2a teoria, ou seja, a OBJETIVA (dualística ou realística), onde a redução deve ocorrer justamente porque o bem jurídico não foi atingido em sua integralidade. Portanto, quanto à PUNIBILIDADE DA TENTATIVA, nosso CP adotou, EM REGRA, a teoria OBJETIVA. No entanto, em casos excepcionais previstos em lei, é possível aplicação da teoria subjetiva.
Sugiro que vejam o filme “Minority Report”, onde policiais de elite recebem informações acerca de futuros crimes, identificando autor e vítima. Nesse setor da polícia, o futuro é visualizado antecipadamente por paranormais, os precogs, e o culpado é punido antes que o crime seja cometido. Sua missão é descobrir onde será o assassinato e prender o autor do fato antes mesmo que ele venha a se consumar. O dilema: se alguém é preso antes de cometer o crime pode esta pessoa ser acusada de assassinato, pois o que motivou a sua prisão nunca aconteceu? Resguardadas as devidas proporções, é um ótimo filme, permitindo a reflexão acerca do princípio penal-constitucional da legalidade.

quinta-feira, 3 de março de 2016

Decisão STJ sobre fundamentação no ato judicial de recebimento de peça acusatória


      
 
            
 Decisão importante do STJ, uma vez que difere do entendimento doutrinário e da própria jurisprudência do STF.  O prof. Norberto Avena traz em sua obra " Direito Penal Esquematizado, 7a edição, 2015", que o princípio da obrigatoriedade de motivação nas decisões judiciais não é absoluto, citando justamente o caso do recebimento da denúncia ou queixa. Isso porque o ato judicial que formaliza o recebimento de peça acusatória não se constitui em ato de caráter decisório, portanto, não fere o art 93, IX da CF/88, que trata da obrigatoriedade de motivação nos atos decisórios. O autor cita ainda que o STF tem inúmeros julgados nesse sentido. Portanto, pra quem vai prestar exame pra OAB ou mesmo pra Defensoria Pública, deve ficar bem atento para esta decisão esposada pelo STJ. o feito foi julgado em 18/08/15. Veja a ementa: